Não fecheis o coração, ouvi, hoje, a voz de Deus!

O que nos propõe o Sl 94 (95),8 deve ser para nós, não o tema do desejo de um dia, mas ao contrário, deve ser o desejo e a intenção de toda a nossa vida: não fecharmos o nosso coração, a nossa mente, os nossos ouvidos, mas ao contrário, escutarmos, acolhermos, a Palavra que o Senhor nos dirige.

E é exatamente, por isto, que a Igreja, no Brasil, já há tantos anos, nos convida, no mês de setembro, a aprofundarmos muito mais, a nossa intimidade com essa Palavra, palavra essa que serve pra todos nós, como uma bússola, que nos guia no nosso caminho. Palavra essa, como diz o Salmo 118,105 que é luz para os nossos passos, e por isso somos convidados a acolhermos essa Palavra, como a chuva que cai do céu e fecunda a terra (Is 55,10). Essa Palavra também vem do próprio Deus, para fecundar, para sedimentar os nossos corações, desde que nós queiramos e permitamos e não nos fechemos a esta Palavra que o Senhor nos dirige, porque nos ama e porque quer o nosso bem.

 

E o Senhor nos convida a nos perguntarmos sobre a nossa relação com o outro, o cuidado que devemos ter com os outros, não como alguém que quer controlar, dominar a vida do outro, ao contrário, como alguém que quer o bem do outro, que quer zelar pelo outro.

Deus se dirige ao profeta Ezequiel (Ez 33,7ss) e o constitui sentinela, vigia da casa de Israel. Mas essa missão não cabe apenas ao profeta, todos nós somos convidados a sermos guardas dos nossos irmãos. Não como alguém que quer vigiar, tomar conta da vida dos outros, não, mas ao contrário, como alguém que quer preservar o outro, quer fazer com que o outro seja fiel a Deus, que quer, no fundo, o bem do outro, amar o outro. Por isso o profeta é advertido, para que realmente, anuncie a palavra que ele escuta. O profeta é, sobretudo, aquele que escuta a Palavra de Deus e depois a anuncia. Ele não anuncia a sua palavra, a sua vontade, o seu pensamento, mas aquilo que ele escuta do próprio Deus. Deus é tão forte, com Ezequiel e conosco, que chega a dizer que se você não advertir e o mundo se perder, você terá uma parcela de culpa. Mas ao contrário, se você adverte, se você proclama a Palavra e o outro não adere e o outro não se converte, a culpa não é sua.

Pra pensarmos e sentirmos a responsabilidade que temos uns pelos outros, dentro da comunidade, dentro da nossa família, dentro do nosso trabalho. Onde quer que estejamos, somos chamados a nos tornarmos guardas uns dos outros, como alguém que de fato, guarda, preserva o outro, não como alguém que está determinando, alguém que está ditando as regras, as leis, faça isso, faça aquilo. Não cabe a nós.

“É preciso viver o que cremos, viver o que proclamamos, viver a Palavra que o Senhor nos dirige…”

Por isso, Jesus nos mostra qual é o caminho, qual é a dinâmica, que Ele nos propõe, em nossa relação. O evangelho (Mt 18,15-20) narra pra nós aquilo que aprendemos como a correção fraterna. Prestamos atenção no que Jesus diz? Se o teu irmão pecar contra ti… vejam, o teu irmão! Não é alguém indiferente a nós, não é alguém com quem eu não tenho um mínimo de relação! Não! Mas é olhar o outro como um irmão, como alguém que faz parte da mesma comunidade, como alguém que faz parte do mesmo corpo, e por isso eu guardo, por isso eu zelo, por isso eu preservo o outro, e Jesus diz: “Se teu irmão pecar contra ti, vai corrigí-lo, repreendê-lo, a sós; se ele te ouvir, ganhaste o teu irmão.” Nós não queremos que nossos irmãos se percam, se desvirtuem do caminho, por isso, nós corrigimos a sós, não proclamamos aos quatro ventos o que os outros fizeram,  não julgamos os outros pela internet, pelas redes sociais, já como se nós fôssemos os senhores, os juízes. Não! Primeiro, repreende, a sós! Agora, se ele não te escutar, vai com outra pessoa, vai com uma, vai com duas testemunhas, pra quê? Para que juntos, tentem salvar o irmão!      

Guardemos o irmão, mas mesmo assim, o outro pode não te ouvir, pode não ouvir outras pessoas, e aí, vamos desistir? Não, Jesus ainda nos convida a uma terceira tentativa: leve-o à Igreja, leve-o à autoridade! Pra nos mostrar, na Igreja temos alguém que cuida da comunidade, que cuida dos irmãos! Na família, nossos pais… quantas vezes vamos falar com nosso pai, falar com nossa mãe, algo que acontecia com nossos irmãos… para nos mostrar que nós somos um corpo, somos uma família, e por isso nos guardamos, por isso nos preservamos! Mas esse irmão, como eu, como você, seremos sempre livres para não ouvir ninguém. Por isso, Jesus diz: “Se nem a Igreja ele ouvir, seja tratado como um pagão”. Por quê? Porque ele escolheu não fazer parte daquele corpo, ele escolheu não fazer parte daquela família, por isso ele é tratado como um pagão, como alguém que não vive na comunidade, como alguém que não vive no seguimento de Jesus Cristo.

Mas a marca pra tudo isso precisa ser o conselho de Paulo. Curiosamente, Paulo diz (Rm 13,8): “Não deveis nada a ninguém, a não ser o amor fraterno.” O que cabe a nós é um amor concreto, não um amor de palavras, porque estamos cansados, nós estamos, já sobrecarregados de tantas palavras…

Meus irmãos, nós precisamos dar um passo e sair de uma religião de fachada, sair de uma religião de status! É preciso viver o que cremos, viver o que proclamamos, viver a Palavra que o Senhor nos dirige. Por isso, Paulo diz, o amor é o cumprimento perfeito da lei (Rm 13,10). Toda lei, todos os mandamentos se resumem em um, diz Paulo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” (Rm 13,9) Só assim, seremos capazes de viver, de fato, esta Palavra que o Senhor nos confia.

Que sejamos, verdadeiramente, homens e mulheres da escuta, homens e mulheres acolhedores da Palavra, para que assim, sejamos, de fato, homens e mulheres que amam a si mesmos, para que assim possam amar os outros, como o próprio Senhor pede a cada um de nós. Hoje, não digamos aos outros, mas digamos, a nós mesmos, com toda a sinceridade:

Não fecheis o coração, ouvi, hoje, a voz de Deus!

Pe. Douglas Alves

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