A proposta que Josué acaba de fazer ao povo de Israel serve como um resumo de toda a liturgia deste 21º domingo do Tempo Comum. Poderíamos hoje, nos perguntar, com muita sinceridade: a quem nós queremos servir? A quem nós queremos seguir? Nós responderíamos: Eu quero servir o Senhor. É Ele que eu quero servir. Mas quando olhamos a nossa vida, talvez percebamos que não é Ele que estamos servindo.
Talvez não seja Ele que estamos servindo. A quem, de fato, estamos servindo, em nossa vida? Quem, de fato, determina nossa vida? Muitas vezes, até sem perceber, nós servimos a nós mesmos, nós seguimos a nós mesmos, somos nós que determinamos tudo, e pior, às vezes queremos determinar na nossa e na vida do outro. Uma sensação que todos nós corremos, de sermos senhores de nós mesmos e de outros. E nos esquecemos de que é ao Senhor que nós servimos, ou que deveríamos servir.
Mas também podemos servir a nossa cultura, podemos servir ao dinheiro, podemos servir aos poderes constituídos, podemos servir à mídia, podemos servir às redes sociais… o que não falta na nossa sociedade é quem a gente tem que seguir.
Quem nós podemos seguir? Uma tentação que encontramos cada vez mais, de homens e mulheres, de realidades que querem se impor sobre nós. Por isso, que na 1ª leitura (Js 24,1-2a.15-17.18b), Josué convida o povo de Israel a olhar para trás, a olhar para sua história, e reconhecer o quanto Deus havia feito. Deus, que havia conduzido o seu povo, conduziu o seu povo no Egito, conduziu o seu povo no deserto, rumo à Terra Prometida. Por isso Josué agora questiona, a quem vocês querem seguir?
E vejam que interessante, Josué deixa o povo livre, mas faz questão de lembrar de tudo aquilo que o próprio Deus havia feito. E logo depois, Josué diz: “vocês escolham a quem vocês querem servir, porém eu e a minha casa, nós serviremos ao Senhor.” Josué é claro, quando mostra, que não importa se não seguirão o Senhor. Não importa se não vão seguir ao Senhor: ele e sua casa seguirão o Senhor.
Josué nos faz lembrar de algo, de quando éramos crianças, e víamos as pessoas fazendo alguma coisa, queríamos fazer igual, imitando o que todo mundo fazia. E aí dizíamos para nossa mãe, para o nosso pai, o que queríamos: fazer isso, fazer aquilo, e nossos pais diziam, não, você não vai, você não vai fazer, você não tem que fazer. E, imediatamente, a gente dizia, mas todo mundo faz, todo mundo vai, todo mundo pode! E nós ouvíamos aquela frase clássica, que daqui a pouco, nós é que reproduzimos para os nossos filhos: você não é todo mundo! Nós não somos? Massa de manobra, que fazemos o que todo mundo faz! Nós não precisamos fazer o que todo mundo faz, nós não precisamos viver como todo mundo vive! Nós somos livres! Podemos escolher, não somos determinados. O Senhor nos chamou à liberdade, o Senhor nos quer, seguindo na liberdade, não na imposição, não na ditadura.
E é curioso, que no evangelho de hoje (Jo 6,60-69), o Senhor mostra, exatamente, isso! Depois de todo o caminho que nós fizemos com o Senhor, que o seu povo fez com Ele, em todo o capítulo 6º do evangelho de São João, hoje Jesus conclui o capítulo! E o povo, depois de ter experimentado de tudo um pouco… o povo havia se alimentado dos 5 pães e 2 peixes, o Senhor havia dito que daria tudo, daria a si mesmo a esse povo! Esse povo hoje diz: esta palavra é dura.
Meus irmãos, nós hoje poderíamos dizer, também para o Senhor, essa palavra é dura. Mas é só essa palavra que nos dá a salvação, é só essa palavra que nos liberta de uma vida muitas vezes marcada por tantos erros. Mas ao mesmo tempo, é impactante percebermos que Jesus já não negocia sua palavra. Jesus poderia dizer: mas não é bem assim, podemos fazer diferente! Vejam, eu vou explicar melhor para vocês. Jesus não abre mão da radicalidade de Seu seguimento, e é por isso que Ele se volta para esse povo e diz, ‘vocês ainda vão ver coisas maiores! essa palavra é só o início.’ Depois se volta para os apóstolos, para os 12 que estavam caminhando com Ele, firmemente, e pergunta: ‘vocês também querem ir embora?’
Hoje também o Senhor se volta para nós e nos diz com toda a liberdade do seu coração: vocês também querem ir embora? Como se estivesse nos dizendo, porta da rua, serventia da casa! a porta está aberta! pra quem quiser entrar, entre! pra quem quiser sair, saia! Sempre na liberdade.
A nossa fé não é uma imposição, a nossa fé não pode ser imposta, a nossa fé é proposta. Para que suscite uma liberdade, uma resposta, do homem e da mulher que crê. Essa palavra meu irmão nos convida a seguir o Senhor sempre na liberdade e convidar os outros a segui-lO, na liberdade.
Assim, Pedro, em nome dos 12, responde, com toda a consciência que ele já tinha, fazendo a sua profissão de fé e a nossa. A quem nós iremos, Senhor? a quem nós seguiremos? a quem nós serviremos? Só Tu tens palavras de vida eterna! essa palavra que acham que é dura é a palavra que nos dá a vida eterna, é a palavra que nos liberta, é a palavra que nos alimenta, é a palavra que nos sustenta, é a palavra que abre nossos olhos para sairmos de uma escravidão em que, muitas vezes, nós mesmos fomos colocados.
Assim, Pedro nos convida então, a acolher a radicalidade do convite de Jesus. E, só nessa radicalidade nós poderemos viver, por exemplo, o que Paulo nos apresentou no capítulo 5, da carta aos efésios (Ef 5,21-32), que deveria ser como um texto da cabeceira de um casal, que se volta, constantemente, para esse capítulo, para meditá-lo e se perguntar: como nós estamos vivendo essa palavra? Paulo começa dizendo: ‘vós, que temeis a Cristo!’ e se dirige então aos casais. Essa página da carta aos efésios não pode ser lida por nós, nem com uma visão machista, muito menos com uma visão feminista! essa palavra deve ser lida com uma visão cristã, teológica, porque Paulo termina, dizendo que o mistério do matrimônio ele só conseguiu entender à luz do mistério da relação entre Cristo e Sua esposa, que é a Igreja.
Por isso, o marido é chamado a amar a sua esposa, como Cristo amou a Igreja, a tal ponto que deu a sua vida, que se entrega plenamente a ela, que a fecunda, que dá a vida, que a ama, que a ama como a si mesmo, como a seu próprio corpo, e por isso a esposa não consegue responder diferente, se não amando, se entregando: é a dinâmica da comunhão, não da imposição, não do domínio, não da tirania, é a dinâmica da complementariedade! Não da submissão!
Só assim, marido e mulher viverão o verdadeiro ideal do matrimônio, proposto por nosso Senhor, que nos lembrava do livro do Gênesis: ‘por isso o homem deixará seu pai e sua mãe, se unirá a sua mulher e os 2 serão uma só carne.’ Só contemplando o Cristo, que ama a sua Igreja, e a sua Igreja, que ama o seu Esposo, nós poderemos entender e viver o mistério do matrimônio, lembrando-nos sempre, de que estamos diante de um mistério, não estamos diante de uma convenção social, não estamos diante de um jeitinho brasileiro, estamos diante de um mistério… de um homem e de uma mulher, que se sentem chamados por Deus, a constituírem uma nova família.
Assim, nós poderemos, de fato, salvar o matrimônio, apenas poderemos continuar, ao longo dos séculos, apresentando o verdadeiro ideal do matrimônio. Matrimônio esse, que sabemos nós, continua sendo atacado, denegrido, perseguido pela nossa sociedade. Nós não vamos encontrar nas páginas dos jornais, nas manchetes da internet, nas matérias de jornais da televisão, nenhuma matéria exaltando o matrimônio, não vamos encontrar uma matéria de capa, dizendo: olha encontramos agora um casal que vive o matrimônio há 50 anos, e são felizes! Obviamente que não, veremos o contrário, manchetes, matérias denegrindo o matrimônio, porque convém a nossa sociedade acabar com o ideal do matrimônio. Porque aí, tudo está liberado, tudo está permitido.
O princípio é anulado. Assim, meus irmãos, nós, como homens e mulheres de fé, somos chamados hoje, a reavivar, dentro de nós, a certeza da fé, para que nós a vivamos, para que nós a proclamemos, para que nós a testemunhemos, onde quer que estejamos.
Para que assim, nós tenhamos a coragem de Pedro, de dizer, Senhor a quem nós serviremos? a quem nós seguiremos? Só tu tens palavras de vida eterna.
E que mesmo, no meio de uma sociedade quase que perdida, nós tenhamos a coragem de Josué e da sua família, de dizermos: eu e minha casa serviremos ao senhor.