Se existe algo de que todos nós gostamos e desejamos, esse algo é a felicidade. Mas ao mesmo tempo em que nós a buscamos, que nós a desejamos, parece que em muitos momentos da nossa vida, nos sentimos perdidos e sem saber o caminho para alcançar essa felicidade, para experimentá-la em nossa vida.
O Salmo 127 nos oferece um caminho. Uma receita simples, prática, concreta, para que nós alcancemos a felicidade, que tanto buscamos e desejamos: “Felizes os que temem o Senhor e trilham os seus caminhos”. Provavelmente, somos homens e mulheres tementes a Deus, honramos a Deus, nós O amamos. Mas é preciso que nos perguntemos, se também nós, trilhamos os Seus caminhos. Não basta que sejamos tementes a Deus.
O mundo está cheio, repleto, de homens e mulheres tementes a Deus, celebrando o Natal, tementes a Deus, fazendo tantas outras coisas, que não condizem também, com o próprio Natal e com a nossa fé. Porque são homens e mulheres que temem a Deus, mas não seguem os seus caminhos. Um bandido, que é capaz de matar outra pessoa, tatua um terço no seu braço, pendura um terço no pescoço e se considera temente a Deus, mas não trilha Seus caminhos. O político corrupto que rouba, e não tem medo de continuar roubando, nem pesa em sua consciência, o que faz, também se diz temente a Deus. Talvez até vá à missa todos os domingos, mas não trilha os Seus caminhos.
Todos nós corremos o mesmo risco, de sermos tementes a Deus, mas não trilharmos os seus caminhos, não seguirmos a sua proposta, não vivermos a sua palavra, em nossa vida, de cada dia. E sem dúvida alguma, se existe um ambiente privilegiado para aprendermos a temer o Senhor e trilhar os seus caminhos, esse ambiente é a nossa família. Por isso, a Igreja reconhece a família como uma célula vital da sociedade, onde eu e você aprendemos a ser homem, a ser mulher, a ser cristão, e a viver como cristãos.
Ao celebrarmos, na oitava do Natal, a festa da Sagrada Família, a liturgia nos coloca diante de um exemplo concreto. Não estamos diante de ideias, de abstrações, estamos diante de um homem, de uma mulher e de uma criança: Jesus, Maria e José. Uma família completa, como a minha, como a sua, porque Deus, na verdade, quis entrar no mundo, como eu e você entramos, graças a um homem e uma mulher. Assim, somos convidados pela liturgia, a contemplar a Sagrada Família de Nazaré e contemplar a nossa família.
Desse modo, precisamos deixar brotar do coração o sentimento de gratidão. Gratidão a Deus, porque como pai, cuida de nós, como pai nos fez nascer também no seio de uma família, mais ainda, gratidão aos nossos pais, sem os quais nós, hoje, não estaríamos aqui. Talvez até nós pudéssemos ter tido uma experiência dolorosa, com nosso pai, com nossa mãe! Talvez nem tenhamos uma experiência forte e positiva de família, mas sem nosso pai e sem nossa mãe, não estaríamos aqui.
Por isso, é preciso um mínimo de ação de graças, hoje, no coração de cada um de nós. É preciso que, de fato, nos perguntemos, como estamos vivendo como família? Como vivemos o mistério da família no hoje de nossa vida?
Curiosamente, ao celebrarmos o Natal, as pessoas dizem, é a festa da família, é quando a família se reúne. Mas e os outros 364 dias do ano? A família não se reúne mais? Não se encontra? Não se fala? Não troca presentes? Só tem um dia do ano pra ser família, pra viver como família?
É preciso que nós nos deixemos interpelar pela palavra do Eclesiástico (Eclo 3,3-7.14-17ª) que faz um eco do 4º mandamento da Lei de Deus, que aprendemos na Catequese e sabemos de cor: “Honrar pai e mãe”.
Mas o autor sagrado nos lembra que o 4º mandamento é o único que é acompanhado de uma promessa, quando Deus, no Deuteronômio (5,16) diz, “Honra teu pai e tua mãe, como aprendeste do Senhor, para que vivas longos dias e sejas feliz, na terra que o Senhor teu Deus te dará.” É a certeza que temos de que honrar pai e mãe traz uma bênção, traz pra nós uma graça, porque na verdade, honrar pai e mãe, é, no fundo, honrar o próprio Deus, que é nosso Pai, que nos pastoreia e nos guarda através de um homem e de uma mulher. Nosso pai e nossa mãe, na realidade, são sinais, na nossa vida, do próprio Deus. Por isso nós os honramos, por isso que nós os obedecemos, por isso é que somos dóceis, ou deveríamos ser, às suas orientações, porque vemos neles, o próprio Deus que cuida de nós.
Assim, lemos no Eclesiástico: “Meu filho, ampara teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive.” Vejam que concreto, o seguinte: “Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele, não o humilhes em nenhum dos dias de sua vida,” e termina o autor, “a caridade feita ao teu pai não será esquecida, mas servirá para reparar os teus pecados.” É o coração concreto de um filho, que retribui ao pai tudo o que um dia fez por ele. É o cuidado de um filho que reconhece naquele pai a imagem de Deus, que é pai e por isso cuida, e por isso zela, zela mesmo quando custa, quando é exigente.
Nós já fizemos esta experiência, quando, até de certa forma, vamos perdendo a paciência com nossos pais, de certa forma, também nos cansamos, porque às vezes, eles repetem várias vezes a mesma coisa, e até nos cansam. Às vezes, sentimos até que parece que eles estão perdendo, de fato, a lucidez. Caberá a nós o cuidado, o zelo, a atenção e pensarmos que um dia, eles fizeram o mesmo conosco.
Quanto nossos pais sofreram também, cuidando de nós, quantas noites mal dormidas, quanta paciência tiveram conosco, quando nós não falávamos direito, quando não nos alimentávamos direito, nossos pais estavam ali, ao nosso lado. É preciso que nós, hoje, tenhamos o mínimo de cuidado, para retribuir o amor de cada um deles por nós. É até interessante, hoje, quando vemos um filho, ou um neto, perdendo a paciência com seu pai, com seu avô, porque não sabem usar o celular. Um dia, este mesmo pai, este mesmo avô, esta mesma mãe, avó, teve paciência para nos ensinar a comer, a usar o garfo. Hoje não somos, minimamente pacientes para ensinar nosso pai, nossa mãe a passar uma mensagem pelo telefone. É o mínimo que poderíamos fazer. E o que fazemos? Ridicularizamos, muitas vezes, nossos pais e nossas mães, que não sabem usar as tecnologias nas quais nós nascemos. E eles, um dia, tiveram paciência pra nos ensinar a andar.
É preciso que nós, hoje, nos sintamos interpelados por essa palavra, de tal maneira, que vivamos, na nossa família, o que Paulo propunha aos Colossenses (3,12-21), quando convidáva-nos, todos nós a vivermos na dinâmica familiar, o transbordamento do amor concreto. Não o amor abstrato, não o amor de muitos discursos, de belas mensagens, mas um amor que se traduz em obras concretas, na vida de cada dia.
Paulo elencava todas as virtudes que devem estar presentes dentro de nossas casas, a humildade, a misericórdia, a mansidão, mas em tudo, o amor entre nós. E terminava, dirigindo-se a cada membro da família, dizendo: “Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros para com elas.” Não estamos lendo um texto escrito ontem, estamos lendo um texto escrito a quase dois mil anos, e Paulo convidando marido e mulher a se amarem concretamente.
Quando nós assistimos a um casamento, é tão interessante vermos um jovem casal que se beija, que se abraça, que se acaricia, que faz pose pra foto… Passam-se 10 anos, eles vêm à missa pra bendizer a Deus os 10 anos de vida matrimonial e a gente tem que dizer, “dá a mão pra ela, dá um beijo nela”! Parece que se esqueceu… parece que se esqueceu que são e serão, eternamente, namorados? Os casais até dizem assim, “nós namoramos 10 anos, e estamos há 20 casados”. Está errado, estão namorando há 30 anos! Não deixaram de ser namorados porque se casaram, não deixaram de se cuidar, de zelar um pelo outro, concretamente. Por isso, Paulo diz, “maridos, não sejais grosseiros com as esposas”.
Os maridos têm que ter consciência de que não basta pagar as contas e colocar comida dentro de casa. Família vive de afeto, de toque, de olhar, de cuidado!. Às vezes, corremos o risco de nos relacionarmos como o cachorro, dando ração e água e o bicho está satisfeito. Não basta água e ração pra ficarmos satisfeitos. Precisamos de afeto, de toque, de olhar, de cuidado, de amor, de sentimento, de afeto. É isto que sustenta também a nossa vida familiar. Por isso, Paulo terminava, dizendo aos filhos: “Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, pois isso é bom e correto no Senhor.” Porque, na verdade, reconhecemos em nossos pais, Deus que está cuidando de nós, nos orientando. Por isso, somos chamados à obediência, mesmo que a obediência seja, simplesmente, levar o guarda-chuva, porque vai chover. É o zelo de um pai, de uma mãe, que quer o nosso bem. É preciso que nós nos perguntemos, se essa parte é viva na nossa vida. E que assim, possamos transformar nossos belos discursos em amor concreto. Hoje, não amanhã, porque não sabemos se teremos amanhã.
Não deixemos também pra beijar e cuidar de nossos pais, quando eles estiverem num leito de hospital. Beijemos agora… Também não deixemos pra beijar nossos pais quando eles estiverem deitados em um caixão. Beijemos agora! Depois, é triste, quando encontramos o pai deitado num caixão, e os filhos chorando, arrependidos, ao seu lado! Por quê? Porque não o amaram quando poderiam, e deveriam. Depois, choram de remorso junto ao túmulo. Não deixemos para essa hora! Amemos agora, concretizemos agora, o amor que estampamos nos discursos empolgados e nas redes sociais. É preciso concretizar esse amor na vida de cada um.
Que a Sagrada Família de Nazaré interceda por nós e nos ajude a viver esse mistério em nossas vidas, em nossas famílias. Que, de fato, nunca falte em nossas casas, como nos lembra o Papa Francisco, “por favor, obrigado e perdão”. Que assim sejamos de fato, felizes, porque “felizes são aqueles que temem o Senhor e trilham os seus caminhos.”