Diante de um conjunto de elementos que poderíamos destacar para a nossa reflexão, ao longo do mês de novembro, escolhi uma que, no meu entender, não apenas se “encaixa” muito bem neste mês, mas que ainda “aglutina” todas as outras: a pobreza. Tomada em diferentes perspectivas, posso dizer que tudo nos leva a ela, neste momento, e há clamor por assumi-la e há clamor por tratá-la.
Explico, antes que isto aqui fique filosófico demais.
Em primeiro lugar, novembro nos chama a percebermos o tempo. Ele passa. A estatura dos filhos; os cabelos brancos que, pouco a pouco, surgem em nossas cabeças; a calvície dos homens; o crescimento que passa a ser para “o lado”. Se não estivermos atentos, tudo isso, um dia, nos surpreende – é aquele dia em que nos damos conta que o tempo passou – tudo isso nos leva a um “balanço” da vida e, para muitos, é o momento do vazio. Percebermos que a caminhada já está adiantada, quando o que importa é, apenas, o vigor e a beleza do corpo e os bens que temos e quando temos, perdemos o rumo. Por outro lado, se temos a fé, se sabemos que não estamos fadados ao tempo que passa, aquilo, que é efêmero, nos faz nos enchermos de esperança e abraçarmos a dinâmica do amor.
Pois bem, este mês nos coloca diante de tudo isso, logo de início. A “comemoração de todos os fiéis defuntos”, como nos traz a liturgia, logo no dia 02, nos arranca do conforto e do ritmo habitual de nossas vidas e nos leva a olhar adiante e também para trás. Para trás, cada vez mais, percebemos a saudade de tantas pessoas que nos foram importantes e já não estão ao nosso lado; para frente, aí depende da fé. Olhar para frente, nesse momento, só é possível se trazemos a esperança no peito, porque, um dia, experimentamos o Senhor e nos descobrimos salvos por Sua pobreza, pela entrega que fez de Si, ao assumir a nossa condição humana, ao plantar amor incessantemente, ao Se ver cravado na Cruz e, finalmente, salvar a todos.
Vejam, já encontramos a pobreza duas vezes em nossa conversa: primeiramente, entendemos que apegos são pura bobagem, já que o tempo não deixa nada “de pé”. Esvaziarmo-nos é preciso. Desprendimento. “Desapego”, palavra da moda para alguns! Mas que não seja entendida, meramente, como desapego material, porque esse não basta… E, então, veio a segunda pobreza, a do Mestre, que veio nos ensinar esse “esvaziamento” e nos dizer que nos cabe deixar o coração bater, os olhos serem sensíveis, as mãos se estenderem. Fraternidade, solidariedade, perdão, comunhão e caridade, união de quem sabe ser parte de uma única humanidade.
Mas continuemos o passeio pelo mês de novembro. Pois pode nos parecer impossível conseguir viver essas pobrezas de que acabamos de falar. Mas não, a Solenidade de Todos os Santos vem nos provar que não. Se o exemplo daqueles “santos de altar” já bastariam para declarar que é possível viver a pobreza de espírito, agora ainda vem mais, na medida em que descobrimos que o ordinário da vida pode nos moldar à santidade. E há muitos, milhares, cujos nomes desconhecemos, mas que, ao longo dos séculos, souberam viver a santidade e, agora, são lembrados, ainda que anonimamente, por toda a Igreja! É a prova de que também podemos. E isso se faz ainda mais concreto, quando começamos a rememorar aqueles que, em Finados, lembrávamos com saudade, e verificamos tanto bem que deixaram pelo caminho, a ponto de os frutos estarem ainda aí, e a memória nos marcar, apertando a garganta com essa saudade. Não foram perfeitos, mas procuraram ser e fizeram o bem.
Agora é a nossa vez. E, nesse bem que nos cabe entra a outra pobreza da qual precisamos cuidar de maneira muito concreta: a pobreza que está “nua e crua” à nossa frente, nas calçadas de nossas cidades, no lixo buscado para sobreviver à fome, nas famílias inteiras sem um teto que seja. Essa pobreza que nasce da injustiça, do orgulho desmedido, da insensibilidade, do egoísmo, do apego desmedido por dinheiro, “status” e poder. A pobreza que precisa ser combatida por primeiro, urgentemente, porque é a pobreza que pede para sobreviver. Ao mesmo tempo, na concretude da pobreza, há um tipo tão urgente quanto, mas que pode ser ainda mais difícil de resolver, é a pobreza da ignorância da fé, daquele que tem sede e não sabe de quê, e até do que ouviu falar, mas, sem experiência verdadeira, ignorou. E, em ambas, então, entramos diretamente, chamados a agir, como batizados, cristãos e cristãs, filhos e filhas de Deus. Entramos como irmãos em Cristo que precisam se sustentar mutuamente e evangelizar com a vida coerente e a partilha de bens.
Não nos esqueçamos desta reflexão séria, ao longo deste mês. Não nos esqueçamos, especialmente, da pobreza que mata corpo e alma, quando vier o “VI Dia Mundial dos Pobres”. Não nos esqueçamos disso, quando, já fechando o ano litúrgico, formos anunciar que “O Senhor é Rei”. Que nosso grito não seja hipócrita ou vazio. Que possamos aclamar o Rei dos Reis, não só nesse dia, mas na santidade desejada e buscada, com compromisso de fé, a cada dia.