PADRE DOUGLAS – “Vossas palavras, Senhor, são espírito e vida!” (Sl 18B)

A convite do Papa Francisco, celebramos hoje, o Domingo da Palavra, e a primeira coisa que podemos e devemos fazer é nos perguntar: qual o lugar da Palavra de Deus na nossa vida? Qual é o espaço que damos à Palavra, em nossa vida? Em nossa rotina diária, semanal, mensal. O que a Palavra tem feito em nós? O que temos deixado que a Palavra faça em nós?

Nós cantávamos com o salmista, dizendo, “Vossas palavras, Senhor, são espírito e vida; a lei do Senhor é perfeita, é conforto para a alma; o mandamento do Senhor é brilhante para os olhos, é uma luz.” (Sl 18B) É a certeza que o salmista tem, e que todos nós temos, de que essa Palavra não é uma palavra qualquer. Essa Palavra é alimento para nossa vida, essa Palavra, como também diz o Salmo 118, é luz para os nossos passos, ilumina a nossa vida e nos convida, constantemente, a uma mudança, a nunca nos contentarmos aonde nós chegamos, porque é sempre possível ir além. É sempre possível nos convertermos e nos tornarmos homens e mulheres mais fiéis a essa Palavra.

Quando o Concílio Vaticano II falava da presença de Cristo na Igreja, ele nos lembrava que Cristo está presente, sobretudo, na Eucaristia e nos sacramentos. Ele está presente na pessoa do ministro, está presente quando a comunidade está reunida em Seu nome, “onde 2 ou 3 estão reunidos em Meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Mas também o Cristo está presente, quando a Sua Palavra é proclamada, porque na verdade é Ele que anuncia a Palavra. É Ele a Palavra que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14).

Na 1ª leitura da missa de hoje, nós ouvimos o relato de Neemias (Ne 8,2-4a.5-6.8-10), que narra a volta do povo que estava exilado na Babilônia e agora na sua Terra, vai fazer uma experiência, que era comum para eles: a experiência de escutar a Palavra. Esse povo não escuta essa Palavra como mais uma, não escuta essa Palavra de modo distraído, não escuta essa Palavra de maneira que possa perder alguma coisa. Ao contrário, o povo está completamente em comunhão e atento.

A Palavra que está sendo proclamada… vejam que nós estamos diante de uma celebração da Palavra. Estamos diante de uma liturgia da Palavra, como esta que estamos celebrando agora. Esse povo não escutou a Palavra em alguns minutos: do nascer do sol até o meio-dia, uma manhã inteira se alimentando da Palavra, uma manhã inteira, deixando essa Palavra interpelar a sua vida.

Quando nós olhamos a nossa vida, nós percebemos que muitos de nós só escutamos a Palavra aqui, e já está bom demais. Voltamos para a nossa casa. Essa Palavra não tem mais lugar. No máximo, colocamos a Bíblia, aberta no Salmo 90, no Salmo 91, para nos afastar dos males. Colocamos no retrovisor do carro, e ela vai se deformando, de tanto sol que ela pega, mas essa Palavra não está nas nossas mãos. Essa Palavra não faz parte da nossa rotina. Será que nós damos tempo a essa Palavra, como damos às redes sociais? Será que nós nos dedicamos a essa Palavra como nos dedicamos aos programas de televisão? Ao tempo que dedicamos ao celular?

Essa Palavra é pra nós, o alimento da nossa vida… esse povo, ao escutar a Palavra, começa a se emocionar, porque é uma palavra que toca a sua vida, é uma palavra que mexe com o seu coração, a sua mente; é uma palavra que transforma a nossa caminhada. E por isso, quando hoje nós ouvimos a segunda leitura (1Cor 12,12-14.27), a continuidade da primeira carta aos Coríntios, que ouvimos também na semana passada, nós vemos claramente, o quanto essa Palavra tem algo a nos dizer hoje, aqui e agora. Não é uma palavra que está lá atrás. Nós não estamos simplesmente lendo algo do passado, é uma palavra que tem algo a nos dizer hoje, aqui e agora.

Paulo, na semana passada, (1Cor 12,4-11) nos lembrava que o Espírito de Deus foi derramado sobre todos nós. E todos nós recebemos um dom do Espírito, um dom que é para o nosso bem, mas é também para o bem dos outros. E hoje ele nos lembra que é exatamente a experiência do ser corpo, que nos faz reconhecer que temos um dom para o outro, que nós somos um dom para o outro e, ao mesmo tempo, Paulo nos lembrava, nós pertencemos uns aos outros.

Não podemos, meus irmãos, deixar que essa mentalidade individualista ­‑ farinha pouca, meu pirão primeiro ‑ prevaleça entre nós. Porque nós somos homens e mulheres de fé, que cremos que formamos um só corpo com Cristo. E não é um só corpo na Igreja, é um só corpo na humanidade, no mundo inteiro, porque nós sabemos, estamos vendo que quando nós fazemos ou não fazemos algo, nós não somos os únicos afetados por isso. Os outros também o são. A pandemia tem nos mostrado exatamente essa verdade. Quantas vezes nós vemos, na nossa sociedade, as pessoas que não estão preocupadas com o outro? Estão preocupadas consigo, com o seu bem. É importante que elas estejam bem, os outros… Hoje, Paulo nos convida a reconhecer que cada um tem o seu lugar, cada um tem o seu papel, cada um tem a sua função; dentro das nossas casas é assim… Dentro da Igreja é assim, dentro da sociedade é assim. Nós não precisamos querer ocupar todos os espaços, porque nem podemos. É preciso que cada um reconheça qual é o seu lugar. Qual é a sua função? Qual é o seu papel? Respeitemos uns aos outros e valorizemos uns aos outros. Paulo usa a imagem do corpo, pra nos mostrar, exatamente, essa harmonia que Deus pensou e de fato, não existe harmonia melhor do que o nosso corpo. Que nós possamos deixar que essa Palavra ilumine a nossa vida, verdadeiramente. Que nós hoje, façamos a experiência desse povo, que diante de Jesus, tinha os olhos fixos nele. Fixemos também hoje, o nosso olhar no Senhor, fixemos o nosso olhar, nossos ouvidos, nEle, para deixar que seja Ele a dirigir a Sua Palavra a cada um de nós, quando estamos perdidos, quando estamos desorientados, quando estamos abalados, nos voltemos para Ele, digamos: Senhor, dirija sua Palavra para mim hoje. Senhor, ilumina minha vida com a Sua Palavra, porque só a Sua Palavra é luz para os meus passos e alimento para a minha vida.

Que nós assim, façamos a mesma experiência de Jesus, que depois de ser batizado com a força do Espírito, vai para a Galileia, vai para a sua Terra, Nazaré. Nós também, meus irmãos, estamos aqui pra renovarmos em nós o dom do Espírito, para voltarmos pra nossa Galileia, pra voltarmos pra nossa Nazaré, pra voltarmos para nossa casa, para os nossos. Mas na força do Espírito de Deus, pra que lá, nós também possamos dizer, para nós mesmos: o Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou com a unção. Eu e você também temos o Espírito. Eu e você também somos consagrados e ungidos pelo Espírito, para proclamar a Boa Nova, pra anunciar a libertação, pra levar a visão a quem não enxerga. É para isso que o Espírito nos ungiu, para que nós sejamos imagem do próprio Cristo, onde nós estivermos.

Que assim nós possamos dizer, como Jesus: hoje se cumpriu esta passagem da escritura que nós acabamos de ouvir. São Lucas coloca nos lábios de Jesus um hoje, que não tem fim, quando se encontra com Zaqueu e lhe diz: hoje, a salvação entrou nesta casa (Lc 19,9); ao escutar o ladrão arrependido, ao seu lado, na Cruz, Ele me disse: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso (Lc 23,43). Que no hoje da nossa vida, no aqui, no agora, nós deixemos que essa Palavra nos interpele, nos converta, nos alimente e nos faça homens e mulheres convertidos ao Senhor da nossa vida.

Vossas palavras, Senhor, são espírito e vida! (SI 18B)

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