No livro do Gênesis, o autor sagrado narra Deus criando a luz. E quando ouvimos este relato, é interessante nos lembrarmos que, imediatamente, ele afirma (Gn 1,3): “Deus disse: faça-se a luz. E a luz se fez.”
Ao longo de toda a história da salvação, nós percebemos a luz de Deus acompanhando a humanidade, acompanhando o seu povo. Mas ao mesmo tempo em que encontramos esta luz, parece que ao seu lado sempre esteve a treva.
No livro das Crônicas (2Cr 36,14-16.19-23), encontramos como que uma síntese desta caminhada do povo de Israel; um povo criado na luz, criado para a luz, mas um povo que, ao longo da sua história foi experimentando as trevas. De certa maneira, poderíamos dizer, “esta é a nossa história!” somos nós também, marcados pela luz mas constantemente nos damos conta de que também temos trevas, de que também alimentamos as trevas, de que também trabalhamos pelas trevas, em nossa caminhada.
E por isso, o autor sagrado nos lembra que, mesmo que Deus tentasse conduzir o seu povo, enviando seus mensageiros, o povo se rebelava, o povo se voltava contra um Deus que queria o seu bem. Pra nos lembrar que também assim, nós fazemos. Quantas vezes Deus intervém, Deus busca agir em nossa história, através de tantas mediações e nós… viramos as costas. E muitas vezes, como nos lembrava o autor sagrado, de certa maneira, zombamos e desprezamos, voltando-nos contra aqueles que poderiam nos levar novamente para a luz.
De certa forma, quando lemos no Livro das Crônicas, o relato de Deus, que deixa também o seu povo partir para a Babilônia, o povo faz a experiência quase de um abandono de Deus. Deus parece que deixa o povo, agora, assumir as consequências de suas escolhas. Mas, mesmo no exílio, Deus intervém, mesmo no meio das trevas, Deus vem atrás de seu povo, Deus busca esse povo. E o que é curioso, ao mesmo tempo em que o povo experimenta ir para o exílio por conta de um rei pagão, o povo é liberto do exílio, por causa do rei pagão. Pra nos lembrar que as mediações são sempre mediações e Deus pode agir até por meios que nem esperávamos.
Muitas vezes, achamos que algumas pessoas não poderiam nos ajudar, não poderiam ser canais de Deus em nossa vida, mas é justamente o contrário. Quem diria que o rei Ciro seria, exatamente, o rei que conduziria o povo de volta. O curioso é nos lembrarmos do Salmo (Sl 136), que nos diz: “Que se prenda a minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!”
De fato, estamos diante de um judeu piedoso, de um judeu que deseja a terra prometida. Mas não podemos também esquecer, de que muitos gostaram da Babilônia, muitos gostaram de permanecer nas trevas, como nós, que muitas vezes gostamos de continuar na vida das trevas. Tanto é assim, que o profeta Isaías precisou chamar de volta o povo, chamar o povo de volta pra perto, de tão acostumado que o povo já estava, na Babilônia.
Assim nós também nos lembramos que, da mesma forma que o povo, nós também podemos nos acostumar nas Babilônias da vida, podemos nos acostumar com as trevas e podemos, até preferir as trevas, no lugar da luz, como Jesus nos lembrava, no seu diálogo com Nicodemos (Jo 3, 14-21). Na verdade, Jesus não dialoga apenas com Nicodemos, dialoga com todos nós, convidando-nos a reconhecer que, de fato, Ele é a grande manifestação da luz de Deus em nossa vida. Por isso, Ele próprio se identifica como a luz do mundo, mas se nos lembrarmos, São João destaca que Ele veio para os que eram seus, mas os seus não O receberam (Jo 1,11).
E hoje Jesus nos lembra: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas. Somos nós, destinatários desta luz, portadores desta luz, mas muitas vezes optamos pelas trevas, queremos e nos mantemos nas trevas. E pior ainda, muitas vezes, alimentamos as trevas entre nós, totalmente contrário ao que Paulo (Ef 2, 4-10) nos mostrava, quando lembrava que fomos criados para as obras da luz, para estar com a luz.
De certa maneira, podemos dizer que a liturgia nos coloca de novo, diante do rito do nosso batismo. Depois de batizados, o ministro nos apresentava a luz acesa, no círio pascal, dizendo. “Eis a luz de Cristo”; “Vós sois a luz do mundo”: caberá a cada um de nós assumir essa missão e, fazer com que de fato, a nossa vida seja luz. Fazer com que, de fato, nós levemos a luz, com nossa vida, com nossas obras e nosso testemunho, num mundo marcado por trevas. Todos nós temos a missão e a possibilidade de sermos promotores da luz, trabalharmos pela luz, alimentarmos a luz, em nossa vida e na vida dos outros.
Que a Virgem Maria, que invocamos com o título de Nossa Senhora da Luz nos ilumine, interceda por nós, para que nós não trabalhemos pelas trevas, para que nós não troquemos a luz pelas trevas, mas ao contrário, acolhamos a luz em nossa vida, e façamos com que esta luz permaneça brilhando sobre nós, durante todos os dias de nossa vida.
A luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz.
Arte: Thiago Maia
Gosto do modo que vc escreve. Obrigada pe Douglas