Ao fazermos esta caminhada quaresmal com o Senhor, ao longo destas semanas, todos nós fomos convidados a fazer um caminho de crescimento, de maturidade, de conversão, de amadurecimento. É preciso que todos nós caminhemos, progressivamente, que estejamos, de fato, crescendo, amadurecendo, na caminhada de fé, a cada semana que o Senhor nos dá.
A caminhada que estamos fazendo, ao longo deste tempo quaresmal, nos lembra tantas caminhadas que o povo de Deus fez, ao longo de sua história. A caminhada do povo no deserto, a caminhada do povo de Deus no exílio… e somos nós, agora, que continuamos esta caminhada. E para que uma caminhada aconteça, de forma frutuosa, é preciso que todos nós sejamos capazes de abrir mão de alguma coisa.
Quando vamos fazer uma viagem, optamos pelo que vamos levar e o que vamos deixar, porque sabemos o que é necessário, o que é importante o que é necessário pra nossa viagem e pra nossa caminhada.
Nesta quaresma, podemos nos perguntar, o que estamos precisando deixar? O que precisa ficar pra trás, para continuarmos a caminhada? O que me atrapalha na minha caminhada de fé? São pessoas? são coisas? são comportamentos? É necessário que saibamos o que é preciso deixar, deixar e seguir em frente. O que precisamos hoje deixar?
No Gênesis (Gn 22,1-2.9ª.10-13.15-18), um dos textos mais significativos e mais trágicos da Escritura, é a narrativa do sacrifício de Abraão, que sobe ao Monte Moriá, pra sacrificar o que ele tinha de mais precioso, o seu filho. Pensemos em um pai e uma mãe que têm um filho, chegar na velhice e este filho ser oferecido. Qual pai, qual mãe é capaz de fazer isto? Talvez digamos, ‘nenhum’! Nunca iremos fazer isto, mas a Escritura nos mostra um pai capaz de oferecer seu filho. Oferecer, na verdade, não precisou, mas Abraão estava disposto a entregar seu filho, a entregar o que ele tinha de mais precioso, porque sabia que tinha algo em sua vida mais precioso, mais valioso que seu próprio filho, que era o próprio Deus. O exemplo de Abraão nos questiona profundamente, porque estamos acostumados a nos apegar a coisas, a pessoas, a situações, quase como se fossem essenciais em nossa vida. Esquecemos de que tudo em nossa vida é passageiro…
O que é permanente? O que fica? O Senhor! Abraão nos mostra que não só ele, mas todos nós somos capazes de abrir mão de tudo, somos capazes de deixar tudo, porque o tudo da nossa vida é o próprio Deus. Diante do exemplo de Abraão, é preciso que cada um de nós olhe a sua vida e se pergunte: ‘De fato, Deus, é o tudo da minha vida? É o que eu tenho de mais precioso?’ Quantas vezes nós ouvimos as pessoas dizerem sobre o filho ‘é o que eu tenho de mais precioso em minha vida, padre! é o tudo da minha vida!’ E quando esse tudo passar? E quando esse tudo crescer e for embora? E quando esse tudo morrer, como vamos viver?
É preciso, meus irmãos, que aprendamos a reconhecer que temos um TUDO em nossa vida, que não passa, que é Deus. O restante passará. Tudo passará… pessoas passarão, coisas passarão, a nossa vida também passará. Mas o Senhor permanece. E nesta caminhada que fazemos, é preciso que, como no Salmo 115, caminhemos na presença de Deus. É na Sua presença que devemos caminhar, estar com Ele, na comunhão com Ele. E se assim o fizermos, não temos o que temer.
Paulo, escrevendo aos romanos (Rm 8,31b-34), dizia “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” “Quem nos separará do amor de Deus, revelado a nós em Cristo Jesus?”, nos lembra o mesmo apóstolo. Fome, tribulação, perigo, nudez de espada? Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou como Ele.
O que nos separa, meus irmãos, do amor de Deus? Nem o nosso pecado nos separa, porque continuamos amando, porque Deus não pode fazer outra coisa, senão nos amar, e nos amar eternamente! Diante dessa palavra, olhamos a nossa vida e vemos o quanto, muitas vezes, não cremos neste amor.
“Cremos” em tantas coisas, “cremos” em mau olhado, “cremos” em simpatia, “cremos” em despacho, “cremos” em coisa ruim, “cremos” em mau olhado, alguma coisa que fizeram por nós… Onde está a nossa fé em Deus? Se Deus é por nós, quem será contra nós? O que é mais forte do que o amor de Deus?
Quantas vezes, encontramos pessoas aflitas… ‘Padre, tem gente ruim que trabalha comigo, tem gente de olho grande na minha vida, tem gente fazendo trabalho contra mim…’ Que fé é esta, meus irmãos? Se Deus é por nós, quem será contra nós? O que pode ser maior que o amor de Deus por nós? Nada, nem ninguém, tudo é passageiro. É preciso ficar com Ele, permanecer com Ele, andar com Ele, para que assim, nós, então, deixemos que Jesus nos chame pra junto dEle.
São Marcos (Mc 9,2-10) narra que “Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João e sobe com eles ao Monte Tabor”. Pouco tempo antes, Jesus havia anunciado a sua paixão, havia anunciado que iria morrer, e havia proposto a seus discípulos, que quisessem segui-lO, que deveriam carregar a sua cruz, tomar a sua cruz, renunciar a si mesmos, para segui-lO.
E agora Jesus, de certa maneira, nos tira da realidade plana, da realidade baixa da nossa vida e nos leva pra cima, pra nos lembrar que fomos feitos para o alto, fomos feitos para Deus, para as coisas de Deus. É necessário que aprendamos a subir. Quando estamos nas nossas celebrações, quando estamos em uma igreja, nós estamos fazendo isto, estamos subindo, estamos mais alto! Não porque somos melhores do que os outros, mas porque somos de Deus, para Deus.
O evangelho de São Marcos nos faz lembrar que na vida de Jesus e na nossa, o calvário não é lugar de permanência, é lugar de passagem. Como Jesus, eu e você passamos, várias vezes, pelo calvário. São muitos calvários em nossa vida, mas todos eles, passageiros, porque fomos feitos para o Tabor.
O Tabor é o lugar definitivo, é o destino final da nossa vida. É pra lá que caminhamos. E assim, a cada semana, deixemos que Jesus nos traga, deixemos que Jesus nos leve ao alto do Monte Tabor, pra que com Ele nós nos transfiguremos, pra que com Ele nos transformemos, mudemos de vida, de mentalidade, de atitude. E assim, descemos de volta.
Contudo, como nos lembra o Evangelho, deixaremos o Tabor e voltaremos para a correria da vida, mas para que lá, sejamos homens e mulheres transfigurados pela graça de Deus. Assim, nós, de fato, dizemos a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui”, e porque é bom estarmos aqui? Porque é bom estar com Ele, é bom estar onde Ele nos leva, é bom estar com Ele, porque escutamos a Sua palavra, e é bom estarmos aqui, porque é bom estarmos juntos, como comunidade, como povo de Deus, a caminho.
Que a liturgia nos renove, nos reanime e nos impulsione, na caminhada pelas estradas da vida. Que nunca, eu e você percamos este olhar de fé. Que nada, nem ninguém nos impeça de enxergar a presença do Tabor em nossa vida de cada dia.
Mestre, é bom estarmos aqui!
Arte: Thiago Maia