PADRE DOUGLAS: O Senhor é o pastor que me conduz, não me falta coisa alguma.

Ao cantarmos, ao proclamarmos estas palavras do Salmo 22, poderíamos hoje nos perguntar: de fato, nós cremos no que acabamos de dizer? Cremos, que de fato, o Senhor é o pastor que nos conduz, e por isso não nos falta coisa alguma? Nós cremos, ou talvez só dizemos da boca pra fora, repetindo, mecanicamente, uma palavra que nós já estamos acostumados a dizer. Se, de fato, cremos nessa palavra, por que nós damos tanto espaço a questionamentos, a pensamentos, a sentimentos, que não condizem com essa palavra! Cremos ou não cremos que o Senhor é, de fato, o pastor que está a nossa frente, nos conduzindo? Muitas vezes nós dizemos essa palavra, mas na verdade, nós somos pastores de nós mesmos. O Senhor é apenas um adereço da nossa vida, faz parte, está na caminhada, mas na verdade, quem determina, quem conduz, quem orienta somos nós mesmos.

Uma das grandes tentações da nossa vida, sobretudo da nossa vida consagrada, é trocarmos de lugar com o pastor. É querermos ser pastores de nós mesmos, é uma tentação que todos nós temos. De certa maneira, uma tentação muito semelhante a de Adão e Eva, “vós sereis como Deus” (Gn 3,5). No final das contas, quando nós olhamos a nossa vida, nós vamos percebendo que muitas vezes, o que nós queremos é pastorear a nós próprios e os outros. E trocarmos de lugar com o Senhor.

Hoje, na primeira leitura, nós ouvimos esse trecho da profecia de Jeremias, (Jr 23,1-6), quando o Senhor, através do profeta, nos faz reconhecer que mesmo que nós estejamos desamparados, abandonados, mesmo que aqueles, colocados por Ele, nos abandonaram, não cumpriram sua missão, Ele sempre intervirá. É interessante pensarmos essa palavra, porque muitas vezes nós vamos experimentar o mesmo que o povo de Israel. Aqueles que deveriam nos conduzir, nos orientar, nos pastorear, são aqueles que, como nós dizemos no popular, roem a corda, e não cumprem o seu papel, não cumprem a sua missão, mas o que é mais importante é reconhecermos que, mesmo que nós passemos por essa experiência, o Senhor irá fazer sempre a Sua parte, o Senhor nunca nos deixará.

Por isso, nós rezávamos no Salmo responsorial (Sl 22), mesmo que eu passe por vale tenebroso, mesmo que passemos por ventos contrários, por tempestades, por mares agitados, o Senhor continuará nos conduzindo, e por isso, no final da profecia, Jeremias nos lembrava que Deus não apenas iria assumir o pastoreio da nossa vida, da vida do seu povo, não apenas iria intervir no momento certo. Mas também iria providenciar novos pastores. É uma palavra que nos enche de Esperança, para reconhecermos que sempre o Senhor estará cuidando de nós, sempre estará pastoreando, sempre estará conduzindo o seu povo, a sua Igreja, a humanidade. Nunca o Senhor nos deixará abandonados, e de certa maneira, poderíamos dizer, condenados ao fracasso.

Mas é preciso que hoje nós também nos lembremos de algo que muitas vezes não nos damos conta. Seguir o Senhor, estar com Ele, fazer parte do seu rebanho, não é e nunca será garantia de uma vida tranquila. Uma das ilusões da nossa vida é acharmos que porque estamos com o Senhor, porque nós nos consagramos a Ele, porque nós vivemos a sua Palavra, nada vai nos acontecer de mal. Muitas vezes é, exatamente, o contrário, parece até que somos, em alguns momentos, mais atribulados do que os outros. Mas a certeza que temos é de que Ele nos conduz, Ele nos pastoreia. É preciso que nós saiamos da tentação de achar que a nossa comunidade, a nossa Igreja, a nossa vida, será a experiência de Alice no País das Maravilhas. É preciso acordar um pouquinho desse sonho utópico, que muitas vezes nós temos. Esperamos uma comunidade perfeita, uma paróquia perfeita, um grupo perfeito, um povo perfeito.

Olhemos para nós mesmos e vamos perceber que não somos perfeitos, que esperamos que os outros sejam. É preciso que nós tenhamos um olhar um pouco mais realista para nós e para os outros, para que assim nós reconheçamos que, de fato, teremos desafios, o Senhor estará sempre conduzindo a nossa vida.

E por isso, hoje no evangelho (Mc 6,30-34), recebemos um convite do Senhor. O evangelho de hoje é, claramente, a continuidade do evangelho da semana passada, quando Jesus havia chamado os 12 e depois os enviava de 2 a 2. Hoje eles voltam da missão e prestam contas do que haviam feito, do que haviam pregado. E é curioso porque nós, talvez na nossa lógica, esperaríamos de Jesus ‘agora vocês vão para outro lugar, agora vamos seguir em missão’! E o que o Senhor diz a eles, e também a nós? Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco.

O Papa Francisco, ao rezar o Angelus, no dia de hoje, dizia que nós precisamos aprender a conhecer, com este evangelho, a ecologia do coração. Para que nós consigamos viver o descanso, a contemplação e a compaixão, que nós consigamos de fato fazer com que esse evangelho fermente a nossa vida e, sem dúvida, o evangelho de hoje nos convida a aprendermos a prestar contas ao Senhor do que fazemos do que vivemos. A cada dia, a cada semana, sermos capazes de nos colocar diante dEle para relatar a nossa vida, não como se estivéssemos diante de um patrão ditador, ao qual temos que prestar contas de tudo, não… mas diante daquele que é o Senhor da nossa vida, a quem abrimos o nosso coração, a nossa mente, partilhamos tudo aquilo que vivenciamos.

Mas ao mesmo tempo, o evangelho de hoje nos ensina a parar. A descansar. E se tem uma coisa que nós não aprendemos é descansar. Nós aprendemos a trabalhar muito, nós olhamos nossos pais trabalhando o tempo inteiro, e ainda diziam que estavam trabalhando para nos dar o melhor. E nós fazíamos o quê? Aprendíamos a trabalhar o tempo inteiro. Não aprendíamos a parar. Quem de nós teve um pai, uma mãe, que ensinou a parar, a descansar? Nossos pais nos ensinaram a arrumar a cama, a cuidar da casa, a cuidar dos irmãos mais novos, a fazer uma faxina, a cuidar dos animais… nós fazíamos o tempo inteiro alguma coisa, como eles, só reproduzíamos a lógica do fazer, fazer, fazer, fazer, quase como se nós estivéssemos vivendo a dinâmica daquele coelhinho, de uma antiga propaganda de pilha. O coelho não parava nem um momento e, muitas vezes, o evangelho de hoje nos mostra que a vida vai nos exigir uma parada.

E quando nós não paramos por conta própria, é a vida que vai nos exigir parar. É preciso que hoje, como Jesus nos mostra nesse evangelho, nós tenhamos a capacidade também de nos recolher, silenciarmos, parar, e vivermos a caminhada, para que aprendamos também a caminhar melhor. Nós paramos para isso, paramos não apenas para descansar, mas paramos para ver como nós caminhamos, como foi a caminhada até agora? E agora eu recomeço, agora eu retomo o caminho… é o que o senhor propõe a todos nós, de tal maneira que nós sejamos, como ele, compassivos. Compassivos conosco e com os outros.

O evangelho narra que a multidão corria ao seu encontro. Que nós também não fiquemos esperando que o Senhor venha até nós. Corramos até Ele, busquemos o Senhor, digamos a Ele o que estamos sentindo e pensando e nós, também, como o Senhor, tenhamos compaixão, deixemos que o Senhor tenha compaixão de nós, para que assim também nós tenhamos compaixão de nós mesmos e dos outros. E superemos a lógica da agitação, do falatório, da correria, do consumo, do barulho, para que como o Senhor, aprendamos, muitas vezes, a nos recolhermos em silêncio, e aprendermos a descansar.

E que nunca nos esqueçamos que, de fato, o Senhor é o pastor que nos conduz, por isso não nos falta coisa alguma.

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