A Campanha da Fraternidade deste ano coloca diante de nós reflexões bastante importantes, na medida em que toca questões que são primordiais para a defesa da vida. Mas a Campanha faz isso de uma forma que dialoga com problemáticas que vêm sendo abordadas com frequência em nosso século, e que vale a pena pensarmos à luz da fé. Se a Campanha fala nos biomas brasileiros, em seus aspectos variados – compreendendo as suas seis realidades – e nos faz pensar sobre como estão diretamente relacionados à defesa da vida como um todo – podemos alargar ainda mais a “provocação” para aquilo que as tantas discussões acerca do chamado “desenvolvimento sustentável” têm levantado, inclusive, no meio acadêmico.
Muitas são as abordagens possíveis, mas algumas são primordiais para nós, porque tocam diretamente na responsabilidade de cultivarmos e guardarmos a Criação, missão já apresentada à humanidade em Gn 2 15, e que o lema da Campanha destaca: não se trata de uma escolha, é um compromisso de que não podemos nos esquivar! Estamos diante de uma missão dada pelo Senhor, que o fez não apenas para ressaltar o especial carinho com a humanidade, criada à sua imagem e semelhança, mas ainda para garantir a sua sobrevivência. Deixar de olhar para a Criação e de cuidar dela, é deixar de cuidar da vida e da dignidade humana.
Vocês já pensaram como tudo aquilo que envolve a “sustentabilidade” tem consequências para o nosso dia a dia? Já perceberam como o caminhar que verifique o cuidado com os recursos naturais, com a ética, com a percepção de necessidades reais é um caminhar que cuida do Homem?
Irmãos e irmãs, pensar sobre tudo isso é entender que somos homens e mulheres cuja essência não está naquilo que passa, naquilo que é efêmero, naquilo que o mundo sustenta como importante. Pensar sobre tudo isso é entender que nós somos mais importantes do que fatores econômicos, é perceber que consumo deve ser ligado diretamente a necessidades, e não a excesso de comodidades, modismos, usos desmedidos de recursos. Vejam: busca de dinheiro e lucro; capacidade de consumo para além de necessidades reais; tudo leva a subjugar a humanidade, cria situações de miséria, doenças, fome.
O que eu preciso para viver? O que você precisa? Será que precisamos de tudo o que está no nosso armário? Será que precisamos de tantos aparelhos domésticos, computadores de último tipo (para usar apenas um editor de texto e entrar em algumas páginas da internet…), um celular que “fale”, mas cujos recursos ficam adormecidos, porque eu só ligo para algumas pessoas e mando mensagens de whattsapp? Será que preciso de tantas bolsas, ou de uma folha de papel inteira, novinha, para deixar duas linhas de bilhete? Será que a água que gasto é gasta de forma consciente? Será que meu lixo é cuidado, ou serve para poluir, machucar (cacos sem proteção que cortam aqueles que os recolhem…), e, ainda, retratar o meu desperdício (quanta comida jogada fora… ou não?)?
Não podemos deixar de refletir sobre estas coisas. Aproveitemos este tempo favorável que é a Quaresma, que nos convida à conversão, e que para tanto nos coloca exercícios tão úteis quanto a prática da oração, do jejum e da esmola, para verificarmos até que ponto a nossa forma de vida não precisa ser revista, transformada… Porque os nossos excessos significam a falta para pessoas que às vezes estão, inclusive, muito próximas de nós. Como lembrou o Papa Francisco em sua mensagem para esta Quaresma, precisamos olhar para o outro, que é dom para nós! Não por acaso, o Papa toma a parábola do homem rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31): a riqueza excessiva daquele homem rico sem nome, que vive do amor ao dinheiro, da vaidade que o faz viver de aparências e da soberba que faz dele um cego que se quer maior do que um mero mortal (um “deus”!), o impede de enxergar o pobre esfomeado e humilhado que se encontra à sua porta. Ele se fechou ao dom de Deus, não soube escutar a sua Palavra e, com isso, fechou o coração ao seu irmão! E nós? Como estamos agindo? Somos mais como o rico, que conhecia a Palavra, mas na verdade não soube ouvi-la, ou assumimos a Palavra, percebemos a Criação, cuidamos dela, e vamos ao encontro do irmão, que existe de fato para nós, e por isso lutamos pela justiça e por sua dignidade?
Que possamos mudar os rumos das nossas vidas para que a vida não se perca.
Uma santa Quaresma a todos!
Por Padre Carmine Pascale