A MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2015 é de uma riqueza tão grande de pensamentos, que eu me inspirei nela para escrever a vocês, amados irmãos e irmãs. Fortalecei os vossos corações (Tg 5,8), é o texto de São Tiago que mobilizou o Papa a nos escrever para fortalecer o nosso coração.
Vamos dar uma volta no tempo.
Desde o início, a marca inconfundível da fé cristã foi o absoluto respeito pela individualidade de homens e mulheres. Por isso, ela foi perseguida. O Estado Romano não gostou daquilo que via brotando, entre eles: uma nova religião que firmava aos cidadãos que eles eram amados pessoalmente por um Deus de amor. Nada disso havia acontecido antes.
Nenhuma religião antiga havia olhado com carinho para os seus fiéis. Uma mãe que perdesse os filhos jamais encontraria conforto num templo pagão da mitologia greco-romana. Os deuses protegiam o Estado, nunca as pessoas. O Cristianismo foi a grande diferença. As pessoas olhavam assombradas para o Deus Cristão que – ele sim – olhava para cada um com amor terno, pessoal e gratuito. Nem incenso, ele pedia. “Deus nada nos pede, que antes não nos tenha dado: “Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada um de nós; o seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece.”
O Papa insiste que tenhamos o mesmo olhar que recebemos de Deus. Ele é a chave, a luz, o porto, o caminho aberto. “Quando o povo de Deus se converte ao seu amor, encontra resposta para as questões que a história continuamente nos coloca.”
Por isso, e nesse sentido, o Papa alerta-nos diante do desafio que se apresenta nos novos tempos: o da globalização da indiferença. “Se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros” (1Cor 12,26). Com o seu ensinamento e sobretudo com o seu testemunho, a Igreja oferece-nos o amor de Deus, que rompe esta reclusão mortal em nós mesmos que é a indiferença. Mas, só se pode testemunhar algo que antes experimentámos. O cristão é aquele que permite a Deus revesti-lo da sua bondade e misericórdia, revesti-lo de Cristo para se tornar, como Ele, servo de Deus e dos homens”. A maravilhosa liturgia de Quinta-feira Santa, com o rito do lava-pés, estampado no cartaz da Campanha da Fraternidade 2015, nos recorda essa verdade palpável. “A Quaresma é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste modo, tornarmo-nos como Ele.” Ser como Cristo. Este é nosso maior desejo, a maior aspiração da alma. “Alma de Cristo, santificai-me. Corpo de Cristo, salvai-me. Não permitais que eu me separe de vós.”
Cristo está no irmão. “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). Tudo o que se diz a propósito da Igreja universal, lembra o Papa, é para ser traduzido na vida das paróquias e comunidades. As nossas realidades ao alcance da mão são o lugar de experimentar que fazemos parte de um único corpo. Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo que Deus nos quer dar. Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos. Somos assim? Ou nos refugiamos num amor universal pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada? “Cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos. A Igreja é, por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os homens. Esta missão é o paciente testemunho d’Aquele que quer conduzir ao Pai toda a realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o amor não pode calar. A Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a cada homem, até aos confins da terra (cf. At 1,8).”
Por isso, “que as nossas paróquias e comunidades se tornam ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença”. O Papa volta a insistir na indiferença. Desde o início do seu pontificado, essa tem sido uma tecla onde ele sempre martela o piano da fé. A indiferença é o grande pecado pós-moderno. Diz o Papa que “estamos saturados de notícias e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência?”
Em primeiro lugar, rezar na comunhão da Igreja. Não subestimemos a força da oração de muitos!
Em segundo lugar, levar ajuda, com gestos de caridade, a quem está próximo e a quem está longe. “A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas concreto – da nossa participação na humanidade que temos em comum.”
Em terceiro lugar, converter-se. O sofrimento do próximo é um apelo à conversão porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos. “Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades infinitas que tem de reserva o amor de Deus.”
Em quarto lugar, resistir. “Resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos. Para superar a indiferença e as nossas pretensões de onipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração.” Um coração misericordioso não significa um coração débil, diz o Papa. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador, mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro.
Nesta Quaresma o Papa deseja rezar conosco a Cristo: “Fazei o nosso coração semelhante ao vosso”; para termos um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença.
E o Papa termina desejando a cada um de nós que essa Quaresma, sob o olhar de Maria, seja um caminho de verdadeira conversão. A união com Cristo será a bússola do caminho e o termômetro da nossa temperatura espiritual.
“Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, que, cumprindo a vontade do Pai e agindo com o Espírito Santo, pela vossa morte destes vida ao mundo (…) ; pelo vosso Corpo e pelo vosso Sangue, dai-me cumprir sempre a vossa vontade e jamais separar-me de vos!”
Esta é a oração silenciosa do padre, antes da comunhão. Desejo que esse pedido se realize, para sempre, em nossas vidas, projetos, escolhas e decisões.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói