Ao longo dessas semanas, a liturgia tem nos oferecido uma verdadeira catequese, através do capítulo 6º do evangelho de São João. O trecho que nós conhecemos como o discurso do pão da vida.
Hoje, nosso Senhor vai além, e nos convida a compreendermos que na verdade, nós O buscamos, não por iniciativa própria, mas somos atraídos pelo Pai! É o pai que nos atrai a Ele, é o Pai que nos faz buscá-lO! Porque todos nós fomos criados por esse Pai, todos nós O desejamos, todos nós almejamos encontrá-lO, e esse desejo que trazemos dentro de nós nos leva até Jesus.
E quando O encontramos não é apenas algo passageiro, momentâneo, como se esbarrássemos com alguém na estrada da vida. É um encontro que toca o nosso interior. É um encontro que nos transforma, é um encontro que nos faz experimentar o Senhor dentro de nós. É o tipo de relação que todos nós somos convidados a ter com o Senhor. Mas para que isso aconteça é preciso que nós, de fato, vivenciemos, deixando-nos ser cada vez mais atraídos pelo Senhor.
O evangelho de hoje (Jo 6,41-51) nos mostra tantas pessoas que não compreendiam o Senhor, tantas pessoas que O criticavam, o atacavam e não experimentavam a graça do encontro com Ele. Pode ser também uma tentação nossa. Nós até estamos com Ele, caminhamos com Ele, até escutamos a Sua palavra. Mas corremos o risco de não nos alimentarmos profundamente dEle, de não fazermos a experiência de acolhê-lo dentro de nós. Ele que acabou de nos dizer: “Eis aqui o pão que desce do céu. Quem dele comer, nunca morrerá”. É esse pão que o Senhor oferece a todos nós, hoje e amanhã, e todos os dias da nossa vida, o mesmo pão prefigurado na primeira leitura (1Rs 19,4-8), quando ouvíamos esse relato tão significativo da vida do profeta.
Curioso pensarmos, que a experiência do profeta Elias, muitas vezes é a nossa. Também nós, como ele, ao caminharmos, ao enfrentarmos tantos desafios da vida, chegam momentos em que nós nos sentimos abatidos, cansados, desanimados, decepcionados e talvez até pensemos na possibilidade da morte. Talvez até pensemos que a morte seja a melhor opção, como o profeta assim disse: ‘agora basta, Senhor, tira a minha vida, pois não sou melhor que meus pais.’ O profeta chega no ponto alto, onde já não sente mais a força de que precisa para viver, e por isso se entrega, por isso se rende, por isso reconhece que ele próprio não tem mais força, e é a hora que nós damos o espaço necessário para que Deus intervenha.
Uma das ilusões da nossa vida é acharmos que nós nos bastamos. Nós nos esforçamos, nós trabalhamos, nós fazemos isso, fazemos aquilo, e nós damos conta. E nos esquecemos de que a nossa vida é um sopro, um estalar de dedos, hoje nós estamos aqui, amanhã não estamos! Nossa vida está nas mãos do Senhor. Como o profeta, nós precisamos, em alguns momentos da nossa vida, também reconhecer “eu não dou conta!” Eu não consigo mais, Senhor, eu não posso mais, com as minhas forças, apenas com as minhas forças.
É a hora em que nós dizemos ao Senhor: “entra na minha vida, entra na minha travessia”. É a hora em que nós nos reconhecemos fracos, pecadores limitados, e que reconhecemos que precisamos dEle para continuar o caminho, precisamos do Seu alimento, precisamos do Seu corpo, precisamos da Sua carne, precisamos nos alimentar dEle, para continuar a travessia, e por isso o relato bíblico diz que o anjo chega, toca no profeta, e diz: ‘levanta-te e come’… como se estivesse dizendo não é hora de parar. Não é hora de entregar os pontos, não é hora de desanimar, ao contrário, é hora de se alimentar e recomeçar, e levantar a cabeça e continuar a travessia… e o anjo toca mais uma vez o profeta, e diz: ‘levanta-te e come, ainda tens um caminho longo a percorrer.’ Elias levantou-se, comeu e bebeu. E com a força desse alimento, andou 40 dias e 40 noites, até chegar ao Horeb, o Monte de Deus.
O profeta Elias aqui, está experimentando a antecipação daquilo que o Senhor prometeu, que nos anunciou no evangelho, quando nos disse que daria a Sua carne para a vida do mundo, que daria Sua carne para a nossa vida, para nos sustentar. E como o profeta, nós também precisamos aprender a nos levantarmos, não com as nossas próprias forças, mas com a força que vem do Senhor. Reconhecendo, como o salmista (Sl 123,8), que diz: ‘o nosso auxílio está no nome do Senhor, do Senhor que fez o céu e a Terra’. Por isso, o salmista diz que contemplando os Montes, contempla o Senhor que vem em seu auxílio.
Nós rezávamos, no Salmo de hoje (Sl 33), reconhecendo, ‘todas as vezes em que O busquei, Ele me ouviu e de todos os temores me livrou’. É a certeza que a liturgia de hoje nos dá, de que sempre seremos alimentados pelo Senhor, de que sempre seremos sustentados por Ele, para que nós, quando sentirmos o cansaço bater à porta, o desânimo parece armar sua tenda… é o momento de deixarmos que o Senhor entre, de deixar que o Senhor venha com a força do Seu Espírito e nos renove, e nos impulsione a seguirmos em frente, para que assim, vivamos o conselho de Paulo aos Efésios (Ef 4,30-5,2), na segunda leitura, quando nos dizia: ‘não contesteis o Espírito Santo com o qual Deus nos marcou’.
Todos nós, ao comungarmos, é claro que recebemos o corpo do Senhor, mas é claro que recebemos com Ele, o Pai e o Espírito Santo. Tanto é assim, que naquela bela canção de Dom Carlos Alberto, nós dizemos: “Na comunhão, recebemos o Espírito Santo, e vem contigo Jesus, o Teu Pai sacrossanto.” Recebemos a Trindade inteira, somos portadores do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e assim precisamos viver, não segundo o nosso espírito, não segundo as nossas concepções, mas segundo o espírito de Deus, que nos marcou, do qual nós somos templos. Assim, de fato, nós entendemos, quando Paulo diz: “Toda irritação, amargura, cólera, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de Vós, como toda espécie de maldade…”, porque nós fomos marcados pelo Espírito Santo de Deus. Mais ainda, não apenas marcados, porque nós fomos e somos habitados pelo Espírito de Deus, que gera em nós uma obra nova uma vida nova.
Que a liturgia desse 19º domingo do tempo comum nos faça reconhecer que de fato, o Pai nos ama, o Pai cuida de nós, o Pai nos dá o Seu filho. E que esse Filho, por amor a cada um de nós, nos doa a Si mesmo. Que nos faz nos alimentarmos do seu corpo e do seu sangue, de tal maneira, que a cada amanhecer, nós possamos ouvir o mesmo que o profeta Elias acabou de ouvir:
Levanta-te e come, ainda tens um caminho longo a percorrer.