A VOZ DO PASTOR – O Amor nos amou

O que havia antes do Big Bang?

Pensem comigo. Antes da grande explosão inicial não havia o que chamar de antes: era o que todo mundo pensava. De repente, uma série de teorias passou a incendiar a ciência. De repente, ficamos diante do impensável: o que existia antes de tudo existir?

Pensem comigo. A explosão que deu origem ao universo aconteceu bem aí, no lugar onde você está agora. No exato momento do Big Bang, todos os lugares estavam no mesmo lugar, ocupando um espaço bem menor que o pingo de um i. Fora desse mini pingo nada havia. Ainda não há.

Pensem comigo. Se o universo continua sendo só a parte interna do Big Bang… se não há nada lá fora, nem tempo, nem espaço, nada… Então, o que teria acontecido antes de tudo acontecer?

No início, tudo estava tão espremido, que não tinha tamanho nenhum. O embrião do universo tinha dimensão zero. Apenas uma “Singularidade”, como dizem os cientistas. E além dessa “Singularidade”, a ciência não consegue enxergar nem avançar. E, como eles mesmos dizem, para além dessa “Singularidade” – como a chamam os cientistas – só existia o silêncio. O eterno silêncio.

Então, algo falou. Falou, sim. Alguém falou.

Em meio ao eterno silêncio, algo leva a crer que aquela “Singularidade” tinha voz. Ela falou: Faça-se a luz! E a luz se fez. E o universo explodiu da luz: a luz é a filha primogênita de Deus.

“Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Ele estava lá, desde toda a eternidade, naquela “Singularidade” (como dizem os cientistas!). Por Ele fomos feitos. Nele nós existimos.

“A luz verdadeira, que vindo a este mundo ilumina todos os humanos” (Jo 1,9). Ele repousava no clarão do Pai desde antes de tudo. Foi dele que o Pai falou quando criou tudo o que há. O Pai falava dele com Ele mesmo. Foi desse diálogo que tudo foi feito. Desse diálogo, passamos a existir.

“Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em certo sentido, o “nome” da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até as últimas partículas, é ser em relação, e deste modo se transluz o Deus-relação; transluz-se, em última instância, o Amor criador. Tudo procede do amor, tende ao amor e se move empurrado pelo amor, naturalmente, segundo diferentes níveis de consciência e de liberdade. Utilizando uma analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano tem no próprio “genoma” um profundo selo da Trindade, do Deus-Amor” (Bento XVI, mensagem do dia da Santíssima Trindade de 2009).

Ele é a Voz do Pai, o Coração da criação, a Alma do mundo. O “genoma” da Trindade foi impresso em nós pelo Coração de Cristo.

Não há canto de amor que expresse tanto o nosso amor quanto a Ladainha do Sagrado Coração. Ainda que sejam palavras e que elas não consigam dizer tudo, ouvir de sua “majestade infinita”, Dele, o “Templo santo de Deus”, Dele, o “Tabernáculo do Altíssimo”, a “Casa de Deus e Porta do Céu” – nos enche de amor, do mesmo amor do qual é Ele a “fornalha ardente de caridade”.

Pensar que o “abismo de todas as virtudes” se encontrava desde antes do começo, naquela singularíssima “Singularidade” (que é o máximo que os cientistas conseguem alcançar), e era Ele, “no qual todos os tesouros da sabedoria e ciência se encontram”, Ele, em quem “habita toda a plenitude da divindade”.

Balbuciamos. Eu sei.

Mas quanta doçura existe em balbuciar a plenitude: Ele, o “desejado desde toda a eternidade”, Ele, o “paciente e cheio de misericórdia”, Ele, “rico para todos que o invocam”, dEle, “fonte de vida e santidade”.  Quanta doçura nos traz crer nesse lento trabalho de Deus, nós que estamos sempre, naturalmente impacientes com tudo, tentando alcançar o fim sem demora, pulando os estágios intermediários, impacientes para conhecer a última novidade.

Venho falar a vocês dessa primeira novidade: a primeira novidade é Cristo. A grande novidade sempre será Cristo, e o Coração de Cristo.

Uma novidade ainda não descoberta, ainda sequer percebida, escondida como os montes se escondem do descobridor, na bruma do mar. É ela o amor de Deus. O amor de Deus é Cristo Jesus. É o mesmo Amor que amamos, sim. Mas que só Deus sabe amar. Porque é silêncio, o mesmo de antes, de antes de tudo.

Implicado com o silêncio de Jesus, o tosco Pilatos lhe pergunta: “Quem é você” (Jo 19,8) – de onde você vem?  Inconformado com o silêncio de Jesus, na cruz e já morto, um soldado Lhe abre o lado com a lança, e imediatamente saem sangue e água (Jo 19,34). Pergunte! Não seria aquela a mesma pergunta, a mesma nossa intrigante questão? O tosco Pilatos e o tosco soldado, romanos, donos do mundo, amedrontados diante de um silêncio, não estavam, cada um a seu modo, fazendo a mesma pergunta, a mesma que ousamos fazer: Quem é você? De onde você vem?

Pilatos perguntou, o soldado perfurou: é a mesma inquieta busca humana em busca do quê por aqui ainda não há. Eles não tiveram resposta, por não saberem perguntar. Nós já sabemos.

Toda vez que esse coração aberto pela lança do soldado lança sobre mim a mesma água e o mesmo sangue, eu me sinto renascer. O lado aberto é a minha plenitude: “Da sua plenitude todos nós recebemos graça em cima de graça” (Jo 1,16). Você ainda acha que precisa mais?

Muita coisa passou e passará. Muita palavra já foi dita e será. Seja o que for, onde for, como for, enquanto houver universo, haverá um coração. Mas não qualquer um. O Coração do universo é o Filho, que o Pai ama, como só Ele ama, como ninguém mais, e mais que tudo o que já passou e passará.

Como nosso coração está cansado! Como o coração do mundo está velho! O mundo se cansou de ser mundo e não encontra outro jeito de ser o que sempre foi. Precisamos, urgente, de um novo Coração. É por um novo Coração que o universo não para de expandir. É o Coração Dele, que o universo inteiro busca.

Dizem que o universo tem prazo de validade. Em alguns trilhões de anos, todas as estrelas terão se apagado. Tudo será um breu. O que será que nossos descendentes vão fazer para escapar desse fim? Construir um novo universo? Não sabemos. Quando, em alguns trilhões de anos, todas as estrelas se apagarem, restará apenas um fio de luz, que nossos olhos cansados jamais desistirão de enxergar.

Naquele dia, no incomensurável futuro, só restará o que sempre foi: aquela insondável “Singularidade”, o ponto de partida de onde tudo começou, a razão de Deus ter criado a luz, que explodiu naquilo a que chamamos Big Bang (como diz a ciência!).

Naquele dia, na incomensurável distância da referência que nem temos, só restará o que sempre foi: o Amor.

O mesmo Amor andou em nossa Terra, respirou nosso ar, banhou-se em nossos rios. De tudo o que surgiu da primeira explosão, o Amor escolheu esse ponto azul perdido num canto de galáxia. Aqui Ele se mostrou. Daqui Ele retirou o que de melhor havia daquilo que Ele mesmo havia criado. Ele escolheu o nosso coração. Para ser o Seu Coração. E de um músculo cardíaco que bate, na mesma arritmia humana e na mesma pulsação dos astros, Ele nos amou.

O Amor se curvou e nos amou. O Amor nos ama.

Você, realmente, ainda acha que precisa de algo mais?

+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

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