Amados irmãos e irmãs,
A virtude da alma, o que é próprio dela é pensar. Sua força interior dependerá, portanto, de sua capacidade para interpretar as suas imagens e as imagens do mundo. Isso exige que passemos das ideias inadequadas às ideias adequadas. Para nossa alma, conhecer é agir e agir é pensar.
Quando, para nossa alma, pensar e conhecer for sentido como o mais forte dos afetos, o mais forte desejo e a mais forte alegria, um salto qualitativo terá lugar, pois então, descobriremos a essência de nossa alma e sua virtude.
Após a celebração do Natal, vivido com a graça da abertura do Ano da Misericórdia, quero propor aqui alguns DESAFIOS PARA 2016. São apenas linhas de uma pauta imaginária. Lembro que não existe música sem pauta. Essas linhas podem servir para a preparação do Ano Novo que vem, podem servir para uma vida toda. Espero sempre ajudar. Esse é o contexto e a base de qualquer construção de vida.
Então, aí vão elas, minhas pautas para uma divina música.
1 – Entender. Entender é fazer o difícil ficar fácil. Estamos cansados de tanto ódio. Aliás, essa é a palavra que mais se ouve em qualquer noticiário. Nossa alma é feita de entendimento: um dos sete dons do Espírito de Deus. Para entender o outro, é preciso entender as motivações do outro, as falhas do outro. É preciso entender o entendimento do outro. Esse é o primeiro passo para qualquer caminho aberto.
2 – Estabelecer conexões. Na senda do caminho aberto, estabelecer conexões significa procurar o que nos une, jamais o que nos divide. Qualquer um é capaz de encontrar fendas. Só as almas grandes são capazes de estabelecer conexões entre as fendas do pensamento. Onde houver uma fenda, uma abertura, estabeleça uma conexão com o pensamento do outro e com ele.
3 – Ser presente e inteiro. Este parece um dos preceitos mais antigos de todas as tradições religiosas que se legitimaram ao longo da História humana. Ser presente é estar ali, tanto diante da grande notícia que abala os alicerces da convivência universal, quanto da pequena flor que se abriu à beira da calçada. Estar presente e inteiro, no aqui e agora, ainda que de modo pequeno e incerto, como tudo na vida, já é viver o presente permanente de Deus.
4 – Estar sempre pronto. Pronto para servir, para ouvir, para falar, para calar. Sempre pronto. Melhor ainda se for sempre pronto e em silêncio. Uma tabuleta à entrada de um mosteiro advertia: “Não fale, a menos que seja para melhorar o silêncio”. O silêncio não é um valor em si, porque tudo é fala. Mas é no silêncio que a palavra é gestada, é no silêncio que o gesto alcança significado, que a dor canta sua melodia. É um segredo este: o de estar sempre pronto para estar pronto e em silêncio. No mesmo silêncio de que é feito o movimento dos astros e a música do universo.
5 – Dar-se menos importância. Vivemos numa época de extrema sensibilidade. Desde as crianças, a quem não se pode sequer repreender, aos adultos, que se tornaram estremecidos por quase nada, estamos todos com a sensibilidade à flor da pele. Isso só pode ser sinal do quanto estamos machucados. Nossas feridas nos tornaram sensíveis. Mas a cura não virá da exaltação da ferida. Nossos egos feridos, quando insuflados, tornam-se insuportavelmente narcisistas. Quem, por primeiro, sente a dor somos nós mesmos. Dar-se menos importância é sempre mais.
6 – Exercitar-se na Verdade. A palavra verdade, em grego, tem o sentido de despertar. Exercitar-se na Verdade significa sair do sono em que fomos instalados pelo conforto das pequenas mentiras. É exercitar-se, justamente, porque é um exercício. Quando, na primeira oportunidade de não comparecer a um compromisso, você preferir se desculpar com uma pequena inocente mentira, é bom saber que isso não é exercitar-se na Verdade. Sabemos que toda grande mudança começa ao embrulhar os pequenos copos da cozinha. Exercitar-se na Verdade é isso: nada permitir escapar ao crivo da Verdade.
7 – Jamais desistir. Não desista. Algo ficará. Se desistir, nada ficará. Não desista de seu projeto de construir-se melhor, de sua boa intenção de estar a serviço, da sua motivação em orar mais e melhor, das leituras que você começou, do exercício físico que se dispôs a fazer, de todas as disposições novas que já até envelheceram de tanta desistência. Desistir é deixar de existir. Jamais desista. Exista.
8 – Descobrir e seguir sua missão. Todos temos uma missão. Não há ninguém que tenha vindo a esse mundo isento de realizar uma missão. Disso depende a sanidade do mundo e nossa própria sanidade. Ao encontrar e seguir nossa missão, tornamos o mundo melhor. Isso será impossível se antes não nos tornarmos melhores. A missão nos impulsiona a ser o que ainda não somos, a partir daquilo que já somos. Tudo isso é de um dinamismo fecundante sem tamanho! Existir é sair de nós, é estar fora. Ao sair de nós, nós nos encontramos. Nós estamos sempre lá, onde ainda não chegamos. A missão de cada um impulsiona o ser a ser.
9 – Obedecer ao impulso do Espírito. O Espírito diz: Vem (Ap 22,17). O Espírito diz: Vai. A obediência é, de todos os preceitos, o mais sutil, o mais difícil, o mais precioso. Obedecer significa ter ouvidos abertos. Obedecer ao impulso do Espírito é, fundamentalmente, aquietar-se e ouvir o que diz o Espírito. O Espírito não fala no barulho, mas na aragem. Esse deveria ser o maior desafio-objetivo de toda vida: obedecer ao que diz o Espírito. E seguir, sem medo. A obediência traz confiança. A obediência é o grande remédio do mundo.
10 – Transcender. De um corte no dedo à malcriação do filho, daquilo que não foi entendido ao que foi mal-entendido, da palavra ao sinal, do dito ao não-dito. Transcender é como subir na mais alta plataforma para enxergar todo o descampado e daí, então, entender. Tudo começa no entender e termina no transcender para poder entender. Entender, conectar-se, silenciar, obedecer, transcender: tudo indica o dinamismo do Espírito, Criador e Vivificador. Transcender é o respirar da alma.
Não foi minha pretensão estabelecer metas de vida, mas apenas linhas de pensamento. Em todos esses pensamentos encontra-se a obediência ao impulso do Espírito de ir ao encontro de todos os irmãos e irmãs, no final deste tumultuado ano, para desejar que o Ano Novo nos encontre em paz e que a nossa paz suporte o mundo.
É impossível pensar em paz sem o Dom do Natal, sem o Senhor Jesus, o Cristo, Emanuel, o enviado do Pai, aquele em quem encontramos toda fonte de paz. Neste Ano Novo, seja Ele a sua paz. Os Magos encontraram o Menino e Sua Mãe. Encontre-os também neste Novo Ano.
Feliz 2016!
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói