No dia 18 de fevereiro, começamos o Tempo da Quaresma, que é celebrado pela Igreja Católica em todo mundo. Esse tempo prepara a comunidade de fiéis para a celebração da Páscoa – vitória de Cristo sobre o mais antigo inimigo, a morte. Os meios de preparação são o jejum, a abstinência de carne, a caridade e as orações.
A palavra Quaresma vem do latim, quadragésima (quadragésimo). Em seu simbolismo, este número 40 significa um período de tempo de duração significativa para uma pessoa ou uma comunidade.
O número 40 aparece na Bíblia muitas vezes, em momentos significativos.
Na Primeira Aliança é Noé quem inaugura esse tempo; 40 dias foi o tempo da sua angústia trancado dentro da arca, sem saber para onde nem quando (Gn 7-8). 40 dias e noites foi o tempo da permanência de Moisés no Sinai, preparando-se para receber a Lei (Ex 24). Quarenta anos durou a travessia do povo judeu do Egito para a Terra Prometida (Dt 8). No Livro dos Juízes, quarenta anos Israel gozou de paz sob o governo dos Juízes (Jz 3). O profeta Elias levou 40 dias para chegar ao monte Horeb e se encontrar com Deus (1Rs 19). Diante da pregação do profeta Jonas, os cidadãos de Nínive fizeram 40 dias de penitência para obter o perdão de Deus (Jn 3). 40 anos duraram os reinados de Saul (At 13), de Davi (2Sm 5) e de Salomão (1Rs 11), os três primeiros reis de Israel. O simbolismo do número 40 também está presente em vários Salmos (Sl 95), referindo-se ao tempo que o povo precisou para “caírem as fichas” do quanto eram cuidados por Deus.
Na Segunda Aliança, Jesus foi levado pelos pais ao Templo para ser apresentado ao Senhor, 40 dias após o seu nascimento (Lc 2). Antes de iniciar sua vida pública, Jesus retirou-se no deserto por 40 dias e 40 noites (Mt 4; Mc 1; Lc 4). Durante 40 dias o Cristo ressuscitado instruiu os discípulos, antes de voltar para Deus e enviar o Espírito Santo (At 1).
O tempo da Quaresma faz parte do tempo que cada um precisa para realizar sua transformação interna. Durante esse tempo, somos exortados a nos abster de carne ou outro alimento todas as sextas-feiras, a não ser que elas coincidam com alguma solenidade. E também a jejuar na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão e Morte do Senhor. Enfim, somos chamados à transformação. Até na vida natural, ou nos transformamos ou morremos.
A Igreja vive o tempo da Quaresma no caminho de Jesus Cristo, escutando a Palavra, orando, partilhando, praticando boas obras. Todas essas atitudes cristãs nos assemelham mais a Cristo Jesus, Alfa e Ômega da História humana e da biografia pessoal de cada um de nós.
Por isso, a Quaresma é o tempo do perdão e da reconciliação. Cada dia, durante a vida, devemos retirar de nossos corações o ódio, o rancor, a inveja, comportamentos e pensamentos que interferem em nosso amor a Deus e aos irmãos. No tempo da Quaresma, aprendemos a conhecer e amar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a tomar nossa cruz com alegria e ressuscitar. Onde houver cruz, lá estará a ressurreição.
Mas vocês, irmãos, irmãs, observaram que o que caracteriza materialmente a Quaresma é o fato dela ser um tempo? Não um tempo qualquer ou qualquer momento, qualquer época ou qualquer… qualquer. A Quaresma é um tempo dentro do tempo. A Quaresma é o tempo do tempo.
Parece, mas não é difícil entender isso. Vejam.
O que é o tempo? É uma sucessão de minutos, horas, dias, semanas, meses, anos… tudo marcado pelo nascer e pôr-do-sol. Os gregos chamavam a isso de Cronos, daí a palavra “cronológico”.
Mas não é só isso. Uma aula imensamente maçante dura muito mais tempo que os 50 minutos que deveria durar. Por outro lado, passear com quem se ama… dura? Quase nada. As horas se passam. E você não viu! Esse é o tempo do tempo, o tempo que o tempo leva para passar, para fazer acontecer, para semear e germinar, para o amor nascer. A esse tempo, os gregos chamavam Kairós: o tempo do tempo. Nesse tempo a medida é outra: não depende de mostruário nem de números nem de ponteiros.
O tempo é o lugar material onde se consuma e se completa a Salvação de Cristo. Os monges e os fiéis que recitam a Oração das Horas sabem disso porque param tudo quanto fazem e consagram momento após momento, o dia todo, o tempo todo, o tempo inteiro e o próprio tempo a Deus.
Os muito jovens não se angustiam com a brevidade da vida. Mas o tempo vai passando, passando, e, mais dia menos dia, todos nos damos conta de que muito mais é muito menos. Então é chegada a hora, a grande conversão, o dia D, o momento de erguer-se sobre si mesmo para proclamar que Cristo Jesus é Senhor da vida, do tempo e da eternidade. Que é Ele o único que importa.
A Quaresma é o tempo de nos prepararmos para viver o tempo como o momento único de deixar Deus vir ao nosso encontro. E correr de coração dilatado ao encontro Dele que sempre vem.
Desejo a todos um abençoado e fecundo tempo quaresmal!
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói