A VOZ DO PASTOR – Jesus Cristo, nossa Páscoa

Depois da alegria de ter participado, em fevereiro, na cerimônia do cardinalato de Dom Orani, presidida pelo Papa Francisco, depois de estar dentro dos muros da Roma eterna, estou aqui, de novo, com todos os irmãos, para viver essa quaresma de graças e dons. Bem maiores que os dons vivenciados junto ao túmulo de Pedro, bem maiores do que os dons vivenciados até aqui, neste ano de 2014, estamos agora vivenciando a preparação para a Páscoa, nosso maior dom.

Mas o que é, afinal, a Páscoa?

A Páscoa é a maior de nossas celebrações, o ponto mais alto de nossas solenidades, o centro de nossas vidas.

Um dia, ha séculos e séculos, grupos de povos semitas saíram para o deserto para comemorar a Páscoa. Na verdade, eles estavam fugindo. Iam aproveitar o álibi de comemorar a páscoa para fugirem da situação totalmente desastrosa em que viviam: situação de exploração, trabalhos forçados e desespero de não ter nenhum sentido para a vida. Há horas em que a fuga é solução. Aquela era uma dessas horas. Daquilo era mesmo preciso fugir.

Mas então eles estavam celebrando uma páscoa?

Sim. A páscoa era naqueles tempos uma celebração primaveril. Celebrada na primeira lua cheia de primavera, a páscoa era o canto de vitória da vida da terra sobre a morte da terra. Os povos antigos saíam na primeira noite de lua cheia da primavera, para cantarem o significado que encontraram de estarem vivos. É sempre a vida o centro da páscoa. Quando Moisés e Aarão exigem do faraó que deixe o povo celebrar a páscoa no deserto, eles estão revivendo tudo o que os ancestrais viveram e fizeram. Eles estão celebrando e agradecendo a vida.

 Ainda celebrada na primeira lua cheia de primavera, a páscoa se tornou o canto de vitória da liberdade sobre a opressão, do povo livre sobre um passado de escravidão, humilhação e vergonha. Moisés e o povo fugiram na calada da noite, fugiram do Egito, deixaram para trás o pouco que tinham e caminharam em direção ao desconhecido da fé. Fácil? Meu Deus, é óbvio não que não! Eles tiveram de atravessar o mar aberto e carros e cavaleiros do faraó em perseguição. Tiveram de enfrentar fome e sede. Serpentes venenosas e o medo, sempre o medo, nossa mais antiga companhia.

Aquela páscoa, aquela primeira páscoa da liberdade foi celebrada no deserto da vida e no deserto da fé. Para fugir das rotas militares, ao invés de conduzi-los pelo caminho mais curto, Moisés embrenhou-se pela península do Sinai, deserto a dentro, sem certezas nem garantias.

O que fez o povo? O povo acompanhou e cantou a primeira vitória. Mas também esbravejou, se levantou contra Moisés, reclamou do insípido maná e das codornizes, com saudades do tempo em que se sentavam ao lado de panelas de carne e cebolas. O povo cobrou cada pedaço de chão andado, cada pedaço de esperança empenhada, cada noite dormida de uma manhã que se levantaria sem terem alcançado a terra da promessa. Essa páscoa – essa passagem – custou preços incalculáveis. Quando Moisés tiver de abandonar a ideia de entrar na terra da promessa, do alto do monte Nebo ele olhará, pela última vez, tudo o que sonhou e do qual não fará parte senão em sonho. Morre o homem, mas não morre seu sonho. Josué conduzirá seu povo e o povo tomará posse da terra e da promessa. Enfim, terá valido a pena.

 Sempre celebrada na primeira lua cheia de primavera, a Páscoa, mais uma vez, mudava de tom. Agora definitivamente. Não era mais o canto livre da terra nem o canto livre do povo. Era o canto livre da alma. Naquela véspera de sábado, sendo aquele sábado especialmente solene, o Cordeiro sem mancha entrega sua vida, fora dos muros, fora da sociedade humana, execrado, último dos últimos, sem feições nem beleza. O novo e real Cordeiro Pascal, diferente daquele que Moisés exigiu do faraó que fosse comido no deserto, agora, se dá em alimento, primeiro, aos seus, depois, a todos. Deu-se inteiramente. Deu-se por amor.

A lua que ilumina nossa noite pascal é a mesma que foi testemunha de todas as páscoas, em todos os tempos. Ela contemplou as primeiras páscoas da humanidade. Ela viu os hebreus fugirem da vida sem liberdade e nenhum sentido do Egito. Ela acompanhou a trajetória daquele povo, nos quarenta anos de deserto. Ela os introduziu na terra da promessa e fez sua marcação de que a data fosse celebrada todo ano, todos os anos. Ela o viu pendurado da cruz, naquela tarde. Ela o viu. Ela chorou por Ele.

Não há lua cheia de primavera pascal que contenha o valor do que estamos celebrando. Ela pode conter todos os valores e todas as antigas páscoas. Mas esta, a definitiva, deve ser marcada não mais pela luz da lua, mas pela luz da fé. Essa nova e definitiva páscoa custou um preço incalculável. Foi o preço do seu resgate.

Meu irmão, minha irmã, participe da Semana Santa. E, nesta Páscoa, cante o canto novo da alma. Permita que sua alma livre cante o louvor daquele pelo qual a Terra inteira irá chorar, para depois aplaudir em gozos de alegria. Una sua alma, à alma de todos os cristãos, de todos os humanos, de todos os seres vivos do planeta, para cantar o canto cósmico da libertação.

Cristo ressuscitou! Aleluia! Aleluia!

Que sua Páscoa seja santa, em espírito e verdade! Que você também cante o canto da alma livre. Que sua alma livre, liberta por Deus e para Deus, voe infinitos e alcance Aquele para qual ela foi feita.

+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

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