A VOZ DO PASTOR – O Tabor à beira mar

Dom-José-A-voz-do-PastorNosso tempo é pleno de sinais de esperança. Se, por um lado, virmos o nosso tempo se perder numa busca desenfreada de prazer e de agradar os sentidos, é porque, por outro, nosso tempo também é ávido de encontrar o sentido. Existe uma busca incessante do sentido perdido. E não se trata de mero saudosismo, mas do esforço sobre-humano de reencontrar o sentido, depois e além do naufrágio. Trata-se do esforço de reconhecer um horizonte último, a partir do qual medir o percurso daquilo que é apenas penúltimo.

Como sabemos disso?  Como saber que isso anda acontecendo?  

Foi assim que terminei a Voz do Pastor do mês passado.

A procissão de Corpus Christi, em São Gonçalo, foi linda e bem participada. A Celebração Eucarística, em Niterói, foi vibrante. Veio a chuva e, com ela, o belíssimo testemunho de fé dos presentes, que permaneceram firmes até o final. Esses fatos permitem que eu diga: Sem chuva ou com chuva, as pessoas acorreram atrás do Senhor Sacramentado. E por que isso aconteceu?

Acorreram, porque existe uma, cada vez mais renovada, nostalgia do Outro. Existe, para muitos, uma descoberta do Totalmente Outro; para outros, uma redescoberta do Totalmente Último. Há um despertar de uma imensa necessidade de alicerces, de valores verdadeiros, de sentido, de horizonte último, de uma Pátria Final, que não seja aquela sedutora, manipuladora e violenta das ideologias, quaisquer que sejam.

Essa busca adquire um formidável contorno ético que, enfim, é o contorno da busca de sentido. Uma busca, sem dúvida, diferente das outras, porque a medida do sentido não pode ser uma medida qualquer, confeccionada ao gosto de cada um. A medida do sentido é a da realidade última, tem de ser a realidade última, só pode ser a realidade última. Nem a penúltima, nem qualquer outra anterior. Apenas, o último preenche a alma. O teólogo Karl Rahner já havia previsto que o cristão do futuro ou seria um místico, ou nada seria. André Malraux, literato francês, em seus momentos de angústia da juventude, foi quem previu que o século XXI seria o século mais religioso da história. Talvez, um século de dores e de Tabor.

Quem dera houvesse apenas Tabor! Mas a espiritualidade precisa ser vivida no coração do mundo e não apenas nos momentos de Tabor. Espiritualidade e mística são as grandes gestoras da esperança, dos grandes sonhos, de um futuro transcendente do ser humano e do universo. São as grandes forças capazes de reafirmar o futuro da vida contra a violência cruel da morte. Quem dera houvesse apenas Tabor!

Mas o Tabor existe e é preciso que exista. Sem a planície, o Tabor perde o significado. Sem o Tabor, a planície perde a consistência. Por isso, ainda hoje, multidões afluíram à Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor: um Tabor à beira mar. E cada uma das pessoas, a seu modo, disse, num coro de milhões: É bom estarmos aqui! É muito bom estarmos aqui! Não por medo, insegurança, distanciamento da realidade, evasão da vida. Justamente, pelo contrário. Porque, do Tabor, é possível entender a real dimensão da vida e da realidade. Porque o Tabor é o mirante de onde o panorama inteiro se descortina e não há mais ressentimento do passado, nem privações do presente, nem medo do futuro. Dali, a vida fica mais real. Dali, a vida vale a pena.

Porque, do Tabor, a vida alcança seu real valor, sua medida definitiva e seu destino final. O Tabor Eucarístico é o Último que mantém a consistência do que vier antes. Fora do Tabor, todas as belezas continuam válidas. Mas, só a partir dele, elas alcançam o colorido verdadeiro.

Esse é o nosso lugar. Aqui, nós nos transfiguramos na imagem dele, a única capaz de desvendar para nós quem, realmente, somos. E quem, realmente, somos, os queridos neo-ordenandos Francielo, Pedro Paulo e Rafael, os mais novos padres da nossa Arquidiocese, poderão nos dizer, do momento de Tabor em que vivem. Naquela manhã do dia 09 do mês passado, quando vocês se levantaram da prostração, nada, aparentemente nada, havia mudado fora de vocês. E, no entanto, por dentro, tudo mudou. Quando se levantaram da imposição de mãos, vocês não eram os mesmos, já eram outros. Estavam investidos de uma força que não é a de vocês, de algo que os transcende para além de todas as medidas, de um Outro, completamente Outro, que já não mais os convidará para ver onde Ele mora (Jo 1,39), mas, agora, será Ele mesmo que virá e fará Sua morada dentro de vocês. “Se alguém me ama, guarda a minha palavra. E meu Pai o amará. E nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23).

Eu disse, no dia da Ordenação, que vocês foram encarregados de nos dizer o que nós realmente somos. Naquele dia de Tabor, vocês nos mostraram quem somos: a morada da Trindade, o Tabernáculo de Deus, O Sacrário, o Tabor. O Tabor acontece em vocês. O Tabor acontece em nós.

Foi isso, queridos novos padres, que pedi por vocês, naquele instante sagrado. Pedi por vocês três, ali, prostrados, que. quando sua mão direita cobrisse de todo a esquerda – palma a palma, dedo a dedo, como luva – assim, exatamente assim, suas vidas correspondessem ao plano eterno que Deus, o Pai, tem sobre vocês.

Amém.

+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

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