Sínodo: “temos de passar do eu isolado a um nós comunitário”

O padre Sérgio Leal sublinha a importância do método da “conversação no Espírito” utilizado no Sínodo e o seu potencial “para a projeção pastoral de um plano pastoral diocesano ou paroquial”. “Permite escutar o outro, ser escutado e sobretudo escutar o Espírito Santo”, declara.
O padre Sérgio Leal, habitual colaborador da Rádio Vaticano e do portal Vatican News, esteve na Assembleia Mundial “Párocos pelo Sínodo” que decorreu em Roma de 29 de abril a 2 de maio sobre o tema “Como ser uma Igreja local sinodal em missão?”. O sacerdote português participou neste evento como pároco de Anta e Guetim na diocese do Porto.

Escutar o outro, ser escutado e escutar o Espírito Santo

Completando as mais recentes reflexões que tem vindo a partilhar, o padre Sérgio Leal sublinha a importância do método da “conversação no Espírito” utilizado no Sínodo e o seu potencial “para a projeção pastoral de um plano pastoral diocesano ou paroquial”. “Permite escutar o outro, ser escutado e sobretudo escutar o Espírito Santo”, declara.

Assinala que na assembleia “Párocos pelo Sínodo” alguns sacerdotes referiram as suas preocupações com as muitas resistências que vão sentir na aplicação do caminho da sinodalidade nos seus países e comunidades. Mas é importante estarmos “todos sintonizados com este caminho da sinodalidade”, diz o padre Sérgio Leal.

“Temos que estar todos sintonizados com este caminho da sinodalidade. Um dos padres do meu grupo, uma das coisas que partilhava na avaliação final era: ‘isto foi tudo muito belo, foi tudo tão importante, percebemos que este é o caminho para a Igreja, mas como é que podemos levar isto? Eu, na assembleia do clero que vou ter daqui a pouco tempo, se lá quiser falar sobre isto encontrarei muitas resistências’. Encontraremos sempre resistências à sinodalidade, mas é impossível não olhar para ela como o estilo que o Senhor nos pede que abracemos hoje. Até porque a sinodalidade é o único modo de ser Igreja, caminhando em conjunto na variedade dos dons, carismas e serviços. E é a isto que se chama sinodalidade. Sinodalidade significa dizer Igreja, sinodalidade significa uma Igreja que procura ser fiel à vontade de Deus, respondendo aos desafios de cada tempo. Este processo de conversação no Espírito é um processo fundamental, até para a resolução de conflitos numa comunidade, para a projeção pastoral de um plano pastoral diocesano ou paroquial, porque nos permite escutar o outro, ser escutado e sobretudo escutar o Espírito Santo no meio de tudo isto. Na metodologia sinodal encontramos em cada grupo o chamado facilitador ou facilitadora, no nosso caso era uma religiosa. E o seu papel era ajudar-nos a ser fiéis à metodologia que nos tinha sido pedida, conduzir os trabalhos, mas com a toda a liberdade de irmos onde os Espírito nos levasse”, salienta.

Pároco que preside sozinho, caminhará sozinho

Para o sacerdote, se um pároco preside sozinho a uma comunidade, não promovendo um discernimento comunitário com os paroquianos, corre o risco de ficar a caminhar sozinho.

“O pároco tem a missão de presidir à comunidade e é aquele que preside em nome de Cristo, cabeça e pastor, mas se preside sozinho caminhará sozinho e não existe paróquia. O pároco preside na comunhão daqueles que lhe estão confiados e não preside de modo autorreferencial. Ele não é o princípio e fim de todas as coisas. O princípio e fim de todas as coisas é Nosso Senhor e tudo o resto se coloca ao serviço d’Ele. A missão do pároco de presidir à comunidade é fundamental, mas preside neste discernimento comunitário. E por isso há aqui uma conversão pastoral que é fundamental para as paróquias, porque o processo sinodal só é possível numa lógica de fraternidade e de comunhão. E isso exige muita conversão pessoal. Porque somos humanos e temos limitações. Porque achamos que a nossa opinião é sempre a melhor. E por outro lado, há uma conversão pessoal e pastoral a este novo modo de ser Igreja, que não é novo, é o modo de sempre, é o modo do Evangelho. A Igreja dos Atos dos Apóstolos que escutamos ao longo do Tempo Pascal: uma Igreja que em comunhão procura encontrar os caminhos do Espírito. É este o caminho sinodal. Temos de passar do eu isolado a um nós comunitário. E é este nós comunitário, iluminado e guiado pelo Espírito, que transforma a paróquia num verdadeiro lugar de exercício sinodal. Isto passa por uma conversão do ministério ordenado e das comunidades, para que se estabeleçam como tal, como comunidades. Porque se o padre vive em modo isolado da comunidade e decide tudo de modo autónomo e independente da comunidade ficará sozinho na concretização de um plano pastoral. Envolver as pessoas, envolver os leigos na construção e projeção paroquial e pastoral significa em primeiro lugar reconhecer o seu batismo e que são imprescindíveis porque são batizados e porque possuem competências humanas que o pároco não possui. Porque possuem competências sociais e relacionais que o pároco não possui. Porque têm diferentes dons e um carisma diferente. E nesse sentido, valorizar esta riqueza da comunidade permite envolver a comunidade na projeção pastoral e por isso teremos a comunidade connosco na execução desse projeto pastoral”, salienta o sacerdote.

Por um processo de aplicação do Sínodo

O especialista em sinodalidade, procurando lançar um olhar para o que deve ser feito depois da segunda sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos, sugere que a Secretaria Geral do Sínodo deveria promover um processo de aplicação do Sínodo.

“O pior que nos podia acontecer era que terminada a assembleia sinodal (em Roma) fazer-se a exortação pós-sinodal e ser de modo livre a aplicação do Sínodo. A Secretaria Geral do Sínodo deveria promover um processo de aplicação do Sínodo. Isto é, assim como houve uma fase de escuta inicial onde se envolveu todas as igrejas locais e as comunidades, deveria haver um momento posterior onde voltávamos aí. E creio que o exercício proposto pela Secretaria Geral do Sínodo deveria ser evidente: partirem da escuta que fizeram e dos desafios que foram lançados pela assembleia e voltar a essas comissões e assembleias sinodais, agora já não para fazer um novo processo de escuta, mas para aplicarmos em discernimento comunitário, até porque as comunidades foram exercitadas neste dinamismo sinodal e dizerem como é que podemos ser Igreja sinodal em missão aqui na comunidade em que estamos”, assinala.

O padre Sérgio Leal recorda um comentário que ouviu, muitas vezes, em várias ações de formação que fez nas dioceses de Portugal: “agora é que devíamos fazer a assembleia sinodal porque percebemos o que é a sinodalidade”.

“Este processo sinodal conheceu diferentes ritmos em Portugal. Em virtude do meu estudo ser sobre a sinodalidade, eu tive a graça e o privilégio de percorrer várias dioceses do país, quer com padres, quer com assembleias diocesanas e percebi os diferentes ritmos e comunidades que me diziam ‘agora é que devíamos fazer a assembleia sinodal porque percebemos o que é a sinodalidade’. Portanto, há aqui diferentes ritmos neste processo sinodal. E eu creio que o maior erro pode ser o de achar que terminada a escuta diocesana dizer que isto agora é com Roma. Agora é com a Secretaria Geral do Sínodo. Este período não devia ter significado para nós dioceses, para a Conferência Episcopal, para as comunidades, esperar para ver o que Roma vai dizer. Nós fizemos uma escuta local, houve paróquias que não aderiram, certo, é compreensível, houve dioceses onde o trabalho de escuta sinodal não foi tão grande, também é percetível e compreensível, mas agora não deviam ter parado isso.  Se há uma síntese que tiveram que enviar para a Conferência Episcopal, então que isso seja a base de trabalho. Há uma síntese nacional então que seja a base de trabalho para a Conferência Episcopal em Portugal. Isto é, fazer deste tempo de Sínodo, um tempo de Sínodo aqui. Roma está a trabalhar, aguardamos os seus ecos, como o Relatório de Síntese (da primeira sessão) que é um bom Relatório com questões em aberto e propostas que deviam voltar às comunidades e não apenas para respondermos outra vez ao Sínodo, mas para respondermos aqui à nossa realidade concreta. E tanto mais necessitamos, quanto mais temos, tantas vezes, um discurso pessimista sobre a pastoral em Portugal, quando dizemos que a evangelização encontra tantas dificuldades e que a secularização invadiu a Igreja. Mas temos ainda capacidade de mobilização como vimos com a Jornada Mundial da Juventude, que podia ter sido um laboratório de sinodalidade, não só a Jornada em si, mas o caminho que fizéssemos depois com os jovens, com as famílias de acolhimento, de voltarmos a envolver essa gente agora para o processo sinodal”, afirma o sacerdote.

O padre Sérgio Leal no passado mês de fevereiro concluiu o seu doutoramento em Teologia Pastoral, na Universidade Lateranense em Roma, com uma tese intitulada “Pastores para uma Igreja em saída”. Um trabalho que centralizou o seu objeto de estudo no exercício do ministério pastoral numa Igreja sinodal.

A segunda sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos terá lugar em Roma no próximo mês de outubro.

Laudetur Iesus Christus

Por Rui Saraiva – Portugal
Foto: Vatican Media – autorizada a publicação

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