As gangues armadas se tornaram um grande problema no Haiti, particularmente na capital, Porto Príncipe, e em outras áreas urbanas. Essas gangues estão envolvidas em atividades criminosas, como extorsão, tráfico de drogas e sequestro por dinheiro. A situação é tal que as Nações Unidas estão em campanha pelo envio de uma força internacional. O Conselho de Segurança toma nota da deterioração da situação de segurança no país, mas não chega a um acordo sobre a formação de uma força internacional. Enquanto isso, a população haitiana é deixada sozinha. Diante da violência e da incapacidade das forças policiais, os haitianos se organizam em grupos de autodefesa. Uma situação perigosa para dom Pierre André Dumas, bispo haitiano de Anse-à-Veau.
Dom Pierre André Dumas, o que significa a presença de gangues armadas no dia a dia para a população e para o senhor? Como viver nesse contexto de violência?
A situação no Haiti ainda é muito difícil. Há uma violência que atinge todos os estratos, todos os setores da população, e são os mais pobres que pagam as consequências. No nível da Igreja, no nível da igreja local, no nível da minha diocese, tentamos estar no meio da população e assegurar às pessoas que a violência não terá a última palavra. Também estamos trabalhando para que haja muitos lugares de escuta, partilha e diálogo e para que as pessoas se reconectem com confiança.
Quão difundida é essa violência no país?
Às vezes, em certos bairros ou em certas áreas, há crianças ou muitos jovens que são obrigados a se unir a uma ou outra gangue. Mas agora há uma reação da população. Os membros das gangues estão começando a temer e a insegurança teria mudado de campo. No entanto, também não podemos nos afundar numa situação caótica e anárquica. Acredito que a polícia, como tal, tem um papel muito importante a desempenhar, para restaurar a confiança das pessoas e mostrar que o Estado é organizado. De nossa parte, procuramos ajudar as pessoas a acolher o outro como irmão, a cuidar para que a fraternidade seja realmente vivida. Mas acima de tudo, não fazer justiça com as próprias mãos.
Como as famílias podem proteger as crianças, impedir que sejam recrutadas para grupos armados?
Acredito que se deve agir desde o início. Chegamos a esse ponto porque, durante muito tempo, tivemos crianças abandonadas nas ruas, crianças soltas na natureza, que viviam sozinhas, abandonadas à própria sorte, sem família. Às vezes, a grande pobreza, a pobreza extrema, levou as famílias a abandonar os filhos. E essas são as crianças a quem os políticos distribuíram armas. Essas crianças pegaram em armas, cresceram e estão se afastando desses políticos, pensando que podem ganhar dinheiro sozinhas. Então sequestram e confinam pessoas em troca de resgates e, para receber, recorrem a muita violência. Às vezes elas torturam as pessoas. Acho que os valores familiares, geração de empregos para jovens, desenvolvimento humano integral para o país, podem ajudar a nação a resolver um pouco essa questão.
A que se deve exatamente a falta de meios das autoridades para combater o fenômeno?
Durante muito tempo, o Haiti viveu uma situação extremamente delicada no plano político. Não houve estabilidade e toda a dinâmica do setor turístico foi perturbada. Agora, acho que temos que apoiar mais o povo haitiano, não decidir por ele e garantir que as soluções venham de dentro. As pessoas precisam assumir o comando, tornar-se protagonistas de sua própria história e concordar em abrir caminho para as gerações futuras. Cada vez que impomos uma solução de outro lugar, ela dura alguns anos e então nos encontramos no ponto de partida.
O senhor fala especificamente de uma solução que deve vir de dentro, mas o chefe da ONU, Antônio Guterres, diz ser a favor de uma força de intervenção internacional. O senhor acha que esse é um caminho possível?
A ONU representa as nações e o secretário-geral há muito pede essa intervenção. As nações já sabem o que fazer e sabem que sozinho o Haiti não poderá caminhar para uma solução. Ao mesmo tempo, não podemos fazer qualquer tipo de intervenção. Precisamos muito apoiar, consolidar, profissionalizar e reformar a polícia, e torná-la muito mais eficaz e eficiente. Acredito que chegamos a um momento em que realmente temos que agir. Não cabe a mim dizer sim ou não a uma força internacional, mas acho que temos o direito de acompanhar a população de forma concreta, para ajudá-la a encontrar soluções e fazer com que as nações possam concordar em encontrar uma saída e permitir ao Haiti de se reerguer, se estabilizar, se controlar e, ao mesmo tempo, ajudar esse povo a recuperar a dignidade que já teve; esse povo que ajudou o mundo a acabar com a questão da escravidão.
Por Jean Charles Putzolu – Vatican News