“Não dividindo, mas compartilhando”. Às margens do Jordão, Jesus mostra-nos que “a verdadeira justiça de Deus é a misericórdia que salva, o amor que partilha a nossa condição humana, se faz próximo, se compadece da nossa dor, entrando nas nossas obscuridades para levar a luz”. Assim também nós, como discípulos de Jesus, “somos chamados a exercer deste modo a justiça, nas relações com os outros, na Igreja, na sociedade”.
Após presidir a celebração da Santa Missa na Capela Sistina com o Batismo de 13 crianças, foi a vez de o Papa Francisco encontrar-se com os 30 mil fiéis e turistas de várias partes do mundo reunidos na Praça São Pedro para o Angelus na festa do Batismo do Senhor.
Inspirado no Evangelho de Mateus (Mt 3,13-14) que narra o ambiente que envolve o Batismo de Jesus por João no rio Jordão, o Santo Padre começa explicando que “era um rito com o qual as pessoas se arrependiam e se comprometiam a se converter”. Neste sentido, “um hino litúrgico diz que o povo ia ser batizado “de alma e pés descalços”, uma alma aberta, sem cobrir nada, com humildade e coração transparente.”
A justiça trazida por Jesus
Diante da surpresa da multidão ao ver “o Santo de Deus, o Filho de Deus sem pecado”, ao lado dos pecadores e de sua escolha de receber o Batismo, Jesus dirige-se a João dizendo: «Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa».
Mas, pegunta o Papa, o que significa “cumprir toda a justiça”?
Fazendo-se batizar, Jesus nos revela a justiça de Deus, aquela justiça que Ele veio trazer ao mundo. Nós, tantas vezes, temos uma ideia estreita de justiça e pensamos que ela significa: quem erra que pague e assim apaga o mal que cometeu. Mas a justiça de Deus, como ensina a Escritura, é muito maior: seu propósito não é a condenação do culpado, mas sua salvação e seu renascimento, o torná-lo justo, de injusto a justo. É uma justiça que vem do amor, que vem daquelas entranhas de compaixão e de misericórdia que são o próprio coração de Deus, Pai que se comove quando somos oprimidos pelo mal e caímos sob o peso dos pecados e das fragilidades.
Deus é misericórdia, com a mão sempre estendida para nos reeguer
A justiça de Deus, portanto – frisou Francisco – “não quer distribuir penas e castigos”, mas, como afirma o Apóstolo Paulo, “consiste em justificar a nós, seus filhos, libertando-nos das ciladas do mal, curando-nos, reerguendo-nos (…). O Senhor está com a mão estendida para ajudar a nos reerguer”:
E então compreendemos que, às margens do Jordão, Jesus nos revela o sentido de sua missão: Ele veio cumprir a justiça divina, que é salvar os pecadores; veio para tomar sobre os ombros o pecado do mundo e descer nas águas do abismo, naquelas águas da morte, de modo a nos recuperar e não nos deixar afogar. Ele mostra-nos hoje que a verdadeira justiça de Deus é a misericórdia que salva. Nós temos medo de pensar que Deus é misericórdia, e Deus é misericórdia, porque a sua justiça é precisamente a misericórdia que salva, a sua justiça é o amor que partilha a nossa condição humana. A sua justiça se faz próxima, se compadece da nossa dor, entrando nas nossas obscuridades para levar a luz.
A justiça de Deus é misericordiosa
Francisco recorda então a homilia de Bento XVI em 13 de janeiro de 2008, quando afirmou que “Deus quis salvar-nos indo ele mesmo até ao fundo do abismo da morte, para que cada homem, mesmo quem caiu tão em baixo que já não vê o céu, possa encontrar a mão de Deus à qual se agarrar e subir das trevas para ver de novo a luz para a qual ele é feito.”
“Nós – disse o Papa – temos medo de pensar em uma justiça assim misericordiosa. Sigamos em frente. Deus é misericórdia. Sua justiça é misericordiosa. Deixemo-nos tomar pela mão por Ele”.
Sou uma pessoa que divide ou partilha?
“Também nós – completou – discípulos de Jesus, somos chamados a exercer deste modo a justiça, nas relações com os outros, na Igreja, na sociedade”:
Não com a dureza de quem julga e condena dividindo as pessoas em boas e más, mas com a misericórdia de quem acolhe compartilhando as feridas e as fragilidades das irmãs e dos irmãos, para reerguê-los. Gostaria de dizer isso assim: não dividindo, mas compartilhando. Não dividir, mas compartilhar. Façamos como Jesus: compartilhemos, carreguemos os fardos uns dos outros ao invés de fofocar e destruir, olhemo-nos com compaixão, ajudemo-nos uns aos outros.”
“Perguntemo-nos – propôs Francisco: sou uma pessoa que divide ou que partilha?”:
Pensemos um pouco: sou discípulo do amor de Jesus ou discípulo da fofoca, que divide e divide? Mas a fofoca é uma arma letal: mata, mata o amor, mata a sociedade, mata a fraternidade. Perguntemo-nos: sou uma pessoa que divide ou uma pessoa que partilha?
“E agora rezemos a Nossa Senhora, que deu à luz Jesus, imergindo-o em nossa fragilidade para que tivéssemos vida novamente”, foi o convite de Francisco ao concluir sua reflexão.
Por Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
Foto: Vatican News