Com uma nota de “pesar e esperança”, o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, comunicou o falecimento nesta segunda-feira, 4 de julho, do cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação para o Clero:
Comunico, com grande pesar, o falecimento do Eminentíssimo Cardeal Cláudio Hummes, Arcebispo emérito de São Paulo e Prefeito emérito da Congregação para o Clero, no dia de hoje, com a idade de 88 anos incompletos, após prolongada enfermidade, que suportou com paciência e fé em Deus. O médico Dr. Rodrigo Paulino constatou a morte do Cardeal, ocorrida um pouco após às 9h da manhã de 04/07/2022. Nascido em Salvador do Sul (RS), em 08.08.1934, entrou na vida religiosa da Ordem Franciscana dos Frades Menores; recebeu a ordenação sacerdotal em 3 de agosto de 1958 e a ordenação episcopal em 25 de maio de 1975. Foi bispo diocesano de Santo André (SP), Arcebispo de Fortaleza e Arcebispo de São Paulo. Foi feito membro do Colégio Cardinalício pelo Papa São João Paulo II no Consistório de 21 de fevereiro de 2001. De 2006 a 2011 trabalhou ao lado do Papa Bento XVI em Roma, como Prefeito da Congregação para o Clero. De volta ao Brasil, ocupou a função de Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, e da recém criada Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA). Convido todos a elevarem preces a Deus em agradecimento pela vida operosa do falecido Cardeal Hummes e de sufrágio em seu favor, para que Deus o acolha e lhe dê a vida eterna, como creu e esperou. Deus acolha em suas moradas eternas nosso irmão falecido, cardeal Cláudio Hummes, e faça brilhar para ele a luz eterna. Seu corpo será velado na Catedral Metropolitana de São Paulo, onde serão celebradas Santas Missas em diversos horários a serem oportunamente divulgados.
Trajetória
No seu brasão episcopal lê-se “Omnes vos fratres” (Vós sois todos irmãos), ecoando a expressão de São Francisco de Assis, “Fratelli tutti”, que inspirou também a última encíclica do Papa. Outro sinal evidente daquela unidade de propósitos e pensamento que o ligava ao outro Francisco, o Pontífice reinante, cujo nome foi fruto de sua sugestão.
“Dom Cláudio”, como era chamado carinhosamente por quem conhecia o cardeal Cláudio Hummes, faleceu nesta segunda-feira, 4 de julho. Ele tinha 87 anos e um grande coração que pulsava – e não há retórica em dizer isso – pelos “pobres”. Os povos indígenas da Amazônia, como os missionários consagrados e leigos; os sedentos e famintos do “Sul do mundo”, como os operários mal pagos ou as vítimas das mudanças climáticas.
Ele os tinha em mente o tempo todo, mesmo nas últimas votações do Conclave de 2013 que elegeu o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio. Ao amigo argentino, sentado ao seu lado, quando alcançou o número de votos necessários para ser eleito, sussurrou-lhe ao ouvido: “Não se esqueça dos pobres”. Da intuição surgiu outra intuição do Papa recém-eleito para a escolha do nome. Foi o próprio Francisco a revelar aos jornalistas que encontrou na Sala Paulo VI em 16 de março de 2013:
Tinha ao meu lado o Cardeal Cláudio Hummes, o arcebispo emérito de São Paulo e também prefeito emérito da Congregação para o Clero: um grande amigo, um grande amigo! Quando o caso começava a tornar-se um pouco «perigoso», ele animava-me. E quando os votos atingiram dois terços, surgiu o habitual aplauso, porque foi eleito o Papa. Ele abraçou-me, beijou-me e disse-me: «Não te esqueças dos pobres!» E aquela palavra gravou-se-me na cabeça: os pobres, os pobres. Logo depois, associando com os pobres, pensei em Francisco de Assis.
Hummes alegrou-se com aquela eleição e ao Papa, pelos microfones da Rádio Vaticano, desejou “um pontificado prolongado”, porque, afirmou, “a Igreja precisa deste pontificado, a Igreja precisa deste projeto que ele manifesta e que colocou em andamento”.
Hummes sempre rezou pela Igreja, para que ela fosse sempre firme e unida, não cedendo às ameaças externas e internas. “A Igreja defende a sua unidade como unidade da pluralidade. As divisões são um mal”, disse o cardeal, diante de quem questionava a autoridade do Papa.
Nesta Igreja que desejava pobre e sempre “em saída”, o arcebispo emérito de São Paulo fazia votos que pudesse ressoar com força a voz das populações amazônicas, feridas pelo desmatamento, por projetos predatórios e doenças da terra e das pessoas, bem como os problemas pastorais. Outro motivo de grande alegria para o cardeal foi, de fato, a convocação do Sínodo para a Região Pan-Amazônica em outubro de 2019, uma oportunidade para concentrar a atenção coletiva em uma parte do mundo muitas vezes esquecida.
Nomeado relator geral, no pronunciamento introdutório propôs aos participantes da assembleia concentrar seus trabalhos em novos caminhos para a Igreja na Amazônia: inculturação e interculturalidade, a questão da escassez de sacerdotes; o papel dos diáconos e das mulheres, o cuidado com a Casa Comum no espírito da ecologia integral. “Os povos indígenas demonstraram de muitas maneiras que desejam o apoio da Igreja na defesa e proteção de seus direitos, na construção de seu futuro. E pedem que a Igreja seja uma aliada constante”, disse o cardeal na Sala nova do Sínodo. “Aos povos indígenas devem ser restituídos e garantidos o direito de serem protagonistas de sua história, sujeitos e não objetos do espírito e da ação do colonialismo de ninguém”.
Ao contrário daqueles que olharam apenas para os resultados imediatos do Sínodo, julgados insatisfatórios em relação aos pedidos de muitos dos participantes, Hummes sempre olhou além da assembleia no Vaticano. Não ao Sínodo, mas ao processo que o Sínodo abriria na Amazônia e no mundo.
Nos últimos tempos, especialmente desde 2020, ano de sua nomeação como presidente da recém-criada Conferência Eclesial da Amazônia, insistia de fato na “aplicação” das indicações do Sínodo. “O Sínodo é o ponto alto que ilumina os caminhos. Porém continua agora, todo o processo continuará também na aplicação pós-sinodal, no território e em todos os lugares onde exista uma conexão”, disse sempre aos meios de comunicação vaticanos, através dos quais denunciou também a “grave crise climática e ecológica” que realmente coloca em risco “o futuro do planeta e, portanto, o futuro da humanidade”.
Esta mesma urgência foi reiterada pelo cardeal em uma carta de julho de 2021, na qual pedia ao mundo que passasse do “ter que fazer”, portanto de belas promessas, ao “fazer”, ou seja, à ação concreta, para que as resoluções do Sínodo na Amazônia não caiam no vazio, mas encontrem aplicação prática nas diversas comunidades. “Está certo em continuar discernindo o que devemos fazer, mas mesmo que isso seja bom, não é o suficiente”, escreveu o cardeal.
Nascido em Montenegro, Rio Grande do Sul, de família de origem alemã, Auri Afonso – este é o seu nome de Batismo – assumiu o nome religioso Cláudio ao ingressar na Ordem dos Frades Menores em 1956. Em Roma estudou filosofia e especializou-se em ecumenismo no Bossey Institute em Genebra; foi professor, reitor, teólogo, bispo. Passou vinte e um anos, a partir de 1975, em Santo André, onde se destacou pela defesa dos trabalhadores, por apoiar os sindicatos e participar de greves como bispo encarregado da Pastoral Operária em todo o Brasil. Em 1996 foi nomeado arcebispo de Fortaleza, no Ceará. Durante seus dois anos de ministério foi responsável pela família e cultura na Conferência Episcopal Brasileira em Brasília. Foi, portanto, um dos arquitetos do II Encontro Mundial das Famílias com o Papa, realizado no Rio de Janeiro em 1997.
Em 15 de abril de 1998, João Paulo II o quis como arcebispo metropolitano de São Paulo, onde deu impulso à pastoral vocacional, à formação dos sacerdotes e à evangelização da cidade. O papel desempenhado no campo da comunicação de massa também foi importante, porque a Igreja – afirmou – tinha que falar com a cidade, aproximando os católicos e levando o Evangelho às famílias.
Wojtyla também o criou cardeal em 21 de fevereiro de 2001. Em seguida, participou do Conclave em abril de 2005 que elegeu Joseph Ratzinger. E o próprio Bento XVI o nomeou prefeito da Congregação para o Clero em 2006, em sucessão ao cardeal Darío Castrillón Hoyos. Em maio de 2007 participou da V Conferência Episcopal Latino-Americana, mais conhecida como Conferência de Aparecida, cujo relator do documento final foi o cardeal Bergoglio.
Em 2010, Hummes renunciou ao cargo de prefeito e presidente do Conselho Internacional de Catequese, órgão vinculado à Congregação, ao atingir o limite de idade. Em 29 de junho de 2020 foi eleito presidente da Conferência Eclesial da Amazônia, instituída como uma “ferramenta eficaz” para implementar muitas das propostas que surgiram do Sínodo e se tornar “uma ponte que anima outras redes e iniciativas. ambientais a nível continental e internacional”. O que Dom Cláudio tentou fazer até os últimos dias de sua vida terrena.
Trechos: Vatican News
Foto: Arquivo