Ao longo dessas semanas estamos fazendo um caminho com Jesus, através do evangelho de São Marcos. E São Marcos claramente quer nos instruir na caminhada como discípulos de Cristo, quer nos mostrar o que Jesus propõe a nós. Nós, que recebemos um convite para segui-lo, e dissemos sim.
E a cena, que hoje São Marcos (Mc 10,35-45) narra para nós é, por um lado, uma cena que nos incomoda, porque percebemos Jesus, que intervém numa realidade concreta da nossa vida. Mas por outro lado, é uma cena que nos consola, porque reconhecemos que o que muitas vezes, está presente dentro de nós, também estava presente dentro dos apóstolos.
O evangelho de hoje, começa com um pedido que nós podemos dizer, um pedido até ousado, para não dizer um pedido petulante de Tiago e João. Vejam que não estamos diante do ímpeto de Pedro, estamos diante do discípulo amado, que junto com seu irmão, vejam o que diz a Jesus: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir.” Vejam, a autoridade dos dois, nós pedimos, o Senhor obedece, a gente pede e o Senhor faz o que a gente quer.
Será que muitas vezes também, não é essa a nossa atitude com Jesus? Será que nós também muitas vezes, não nos colocamos diante dEle, como aqueles que têm direito? eu tenho direito a isso, eu peço e Ele me atende… Quase como se o Senhor fosse o nosso empregado. Nós mandamos e Ele nos obedece.
Só que Jesus é tão misericordioso para com eles e para conosco, que não dá de imediato uma lição de moral. Jesus, aqui nós vemos, dá corda aos dois e pergunta a eles: “o que quereis que eu vos faça?” Jesus abre a porta para que eles botem pra fora o que está dentro deles, como agora também, Ele nos dá a oportunidade de botar pra fora! O que está dentro de nós? o que estamos querendo, quando procuramos o Senhor? o que queremos, quando nós o seguimos? O que, de fato, a gente quer? E eles não dão trégua: nós queremos um lugar, a sua direita e a sua esquerda.
Dentro dos doze, os dois queriam um lugar de destaque nós diríamos hoje, no popular, eles queriam um pouquinho de poder, queriam mandar mais do que os outros, a sua direita e a sua esquerda, e o que é pior, ‘quando estiveres na Tua glória’.
Tiago e João estão esperando Jesus como o grande Messias de Israel, que vai mandar e dominar sobre todo o seu povo, e eles querem uma parcela desse poder.
Na verdade, aqui existem dois erros: o primeiro, que é como eles estão entendendo Jesus, e que às vezes, também é nosso. Como nós entendemos Jesus, como nós vemos Jesus na nossa vida. Depois, o que é pior, eles não só estão vendo Jesus de uma maneira errada, como eles se veem de maneira errada junto de Jesus. Ele manda e a gente manda com Ele, vamos juntos. Queremos um lugar, então, a sua direita e a sua esquerda. E Jesus então, dá uma palavra pra eles, que serve para nós. “Vocês não sabem o que vocês estão pedindo!” Quantas vezes nós, também, não sabemos o que pedimos, quantas vezes nós pedimos no impulso, no ímpeto, e nem nos damos conta do que nós estamos pedindo, agimos na emoção!
E Jesus então pergunta a eles: “Mas vocês poderão beber do cálice que eu vou beber? vocês poderão ser batizados no batismo com que eu vou ser batizado? E mais uma vez, respondem, ‘podemos’.
De fato, passaram por tudo aquilo que o Senhor havia passado, porque eles queriam algo a mais, poderíamos dizer, eles queriam algo em troca, estavam interesseiros, diante do convite do Senhor. E aqui nós precisamos nos lembrar, de que Jesus já havia ensinado a eles e a nós, nos capítulos anteriores do evangelho de São Marcos, que o Filho do Homem, Ele mesmo, deveria sofrer muito, seria perseguido, maltratado, crucificado, morreria, e depois de 3 dias iria ressuscitar. E mais ainda, Ele havia dito, “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua Cruz e me siga” (Mc 8,34).
Jesus não prometeu um lugar à direita ou à esquerda dEle. Jesus ofereceu e prometeu a Cruz, prometeu também, uma recompensa a quem tiver deixado casa, pai, mãe, irmã, irmão, receberia 100 vezes mais, como vimos na semana passada, mas o que os discípulos querem é estar no controle. E o que é consolador, não era um problema apenas de Tiago e João, era um problema de todos os outros, porque os outros ficaram indignados, quando viram o que Tiago e João estavam pedindo, porque eles queriam a mesma coisa!
Por isso é que nos consola, porque a gente pode olhar para dentro de nós e perceber que estamos no mesmo barco. Nós temos, às vezes, as mesmas pretensões. E isso, meus irmãos, se manifesta, muitas vezes, dentro da nossa casa, dentro da nossa comunidade, quando também queremos o poder, o domínio, o controle, e não aprendemos com Jesus, que diz: “Entre vós, não deve ser assim, porque quem quiser ser grande, seja um servo, quem quiser ser o primeiro, seja escravo, porque Ele, o Filho do Homem, veio não para ser servido, mas para servir”.
Não é possível que eu e você sigamos Jesus, o servo sofredor, anunciado por Isaías, na primeira leitura (Is 53,10-11), se nós não estamos dispostos a servir, se nós fazemos do nosso serviço uma maneira de nos sobressairmos na comunidade. Na verdade, essa palavra parece que faz ressoar em nossos ouvidos, aquelas palavras que muitas vezes nós escutamos, quando as pessoas dizem assim: ‘aqui quem manda sou eu! aqui quem canta de galo sou eu!’ Quantas vezes isso se passa dentro das nossas casas, dentro das relações entre marido e mulher, entre pais e filhos! quantas vezes isso acontece dentro dos nossos ambientes eclesiais, quando nós, na verdade, vamos nos apegando ao domínio, ao poder, e como dizia o Papa Bento XVI, “Todo o poder que não se transforma em serviço vira uma tirania”.
É preciso que nós tenhamos cuidado pra não ficarmos sedentos pelo poder, pelo domínio, pelo controle: ‘sou eu que faço, ninguém mais faz! Sou eu que proponho, ninguém mais pode fazer mais nada…’ Quantas vezes nós encontramos pessoas que dizem assim: ‘se eu não fizer ninguém faz!’ Hoje, a Covid te leva, amanhã tem outro no teu lugar. A começar por mim, por qualquer outro. O infarto bate hoje à minha porta, eu morro hoje, domingo que vem, estão sem missa? Não, já tem outro padre aqui no meu lugar.
Nós nos esquecemos de que somos todos passageiros e vamos nos apegando a essas coisas e nos esquecemos de que tudo passa, o que conta é estar com o Senhor! Não importa se estou aqui se estou ali, estou fazendo isso estou fazendo aquilo! importa que eu esteja ali com Ele, importa que eu O siga, importa que eu O sirva.
É preciso que hoje, cada um de nós se pergunte, claramente: onde está o meu desejo de poder? onde eu estou querendo dominar, onde eu estou querendo controlar, onde eu estou querendo ter um lugar de destaque? porque às vezes, nós servimos pra isso, para que a gente fique, como diz o ditado, por cima da carne seca, para que a gente apareça, para que a gente fique em destaque.
É Tiago e João, dentro de nós, falando forte dentro de cada um de nós e essa palavra, hoje, nos ajuda a reconhecer que todos nós, na escola de Jesus, temos um lugar, todos nós. O nosso lugar é o lugar do discípulo, ninguém, ninguém na escola de Jesus pode ocupar o lugar do mestre, um só é o vosso Mestre e todos vós sois discípulos (Mt 23,8).
Que o Senhor hoje nos dê a graça de aprendemos com a Sua mãe. A Sua mãe, que tinha todo o direito para falar, aqui quem manda sou eu, sou a mãe dEle! E o que ela diz? “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra.” (Lc 1,38) Por isso, que o Papa Francisco gosta de lembrar que servir é reinar. Quando nós servimos, como a Virgem Maria, nós estamos servindo como seu Filho e aí sim, nós estamos na dinâmica do seu Reino que é o Reino do serviço, não do domínio, não do poder, não da autoridade.
Que o Espírito de Deus nos liberte de toda a sede de poder, de todo domínio, de todo apego. Para que nós façamos a experiência de abrir mão. ‘Eu faço isso todos os anos!’ Façamos a experiência de neste ano não fazer, deixa pra outro; ano que vem deixa pra outra fazer. Mas ninguém vai fazer, então deixa! Isso é libertador para todos nós, e às vezes a gente até vê isso na família, a família diz assim: sou eu que faço a ceia de Natal. Nem percebe que a sua ceia de Natal é uma maneira de você controlar a família toda, de você dominar a família toda. Nesse ano, você diz, nesse ano eu não faço a ceia, outros vão fazer, eu vou lá só para participar. Levo uma comidinha, mas eu não quero fazer, não vou fazer! Abra mão, abra mão do poder, da autoridade, do domínio. Faça a experiência de Jesus, que não quis controlar, que não quis dominar, que não quis ser um ditador da comunidade dos seus discípulos!
Que o Espírito de Deus nos dê a graça de compreender que entre nós não pode ser assim, porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida, como resgate para muitos.
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