Ao escutarmos a narrativa da Carta aos Hebreus (Hb 4,12-13), tomamos consciência de que, de fato, a Palavra que Deus nos dirige é uma palavra que realmente penetra a nossa vida, é uma palavra, como dizia o autor da Carta aos Hebreus, que deixa tudo nu, tudo descoberto, tudo se torna claro diante dessa Palavra. Não há como nos escondermos diante da luz da Palavra, que brilha sobre cada um de nós. E é preciso que todos nós deixemos que essa Palavra nos ilumine, que essa Palavra guie os nossos passos, como nos lembra o salmista (Sl 118, 105), para que nós possamos, verdadeiramente, caminhar como e por onde o Senhor deseja.
No evangelho de hoje (Mc 10,17-30), São Marcos narra para nós um homem que corre ao encontro de Jesus. Sem dúvida que esse homem também queria caminhar com Jesus, queria caminhar de acordo com aquilo que Jesus propunha a ele e a todos os outros apóstolos, a todos os outros discípulos. Esse homem, na verdade, é a imagem de cada um de nós, que também corremos ao encontro do Senhor, que também desejamos encontrá-lO, desejamos ouvi-lO, desejamos segui-lo.
Mas talvez como esse homem, nós também estejamos correndo, agitados, vivendo uma vida frenética! É interessante que o evangelho nos mostra Jesus, que está agora parado, escutando e olhando esse homem. Como é necessário, em nossa vida, cultivarmos esses momentos; como é necessário em nosso dia, em nossa semana, guardarmos sempre os momentos em que poderemos parar, olhar o Senhor, deixar que Ele nos olhe, escutá-lO.
Muitas vezes nós erramos, caminhamos de uma forma equivocada, fazemos tantas besteiras, nos arrependemos tanto, porque na caminhada da vida nós não cultivamos essas paradas, como esse homem nos ensina, no evangelho de hoje. Mas da mesma maneira que esse homem, nós talvez tenhamos essa mesma concepção que ele expressa, nessa pergunta:
“Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?”
Este homem acreditava, quase como que se ele pudesse comprar a vida eterna, quase como se ele pudesse comprar o céu; eu faço isso, ganho aquilo. Na verdade, esse homem, de certa maneira está fazendo ou pensando como nós, muitas vezes agimos, em nossas novenas. Deus me dá isso, eu dou aquilo. Se Deus não me dá, eu também não dou a Ele. E ficamos quites… nem percebemos que estamos barganhando com Deus, estamos trocando, estamos entrando na comunhão com Deus, na lógica do dou para receber.
Mas na verdade, a lógica de Deus não é essa. Deus nos ama, Deus cuida de nós, Deus nos ampara, Deus está ao nosso lado, mesmo quando viramos as costas para Ele, porque Ele é o Deus (Mt 5,45s) que faz nascer o Sol sobre maus e bons. Ele faz cair a chuva sobre os justos e os injustos… esse homem, como nós, não tinha aprendido ainda que a vida eterna é dom de Deus, a vida eterna é gratuita, eu não faço nada para comprar a vida eterna, eu, na verdade, assumo o dom que Deus me deu no hoje da vida, esperando que um dia experimente viver, plenamente, essa vida eterna.
Essa palavra deste homem nos convida a sair da lógica da troca, da lógica da compra, porque até na relação com Deus nós estamos fazendo assim. É até curioso, em alguns momentos um pouco ofensivos, quando nós, por exemplo, como padres, recebemos uma pergunta assim: “padre, quanto custa a missa? quanto eu tenho que pagar? Padre, o senhor pode assistir o casamento do meu filho? quanto é?”
E nós entramos, dentro da Igreja, com a lógica da compra, com a lógica do mercado, e às vezes é assim que nos relacionamos com Deus: eu pago para receber, e se eu não recebo, eu cobro. Esqueço que Deus me ama mesmo quando eu não O amo.
Depois Jesus mostra para esse homem, que é preciso fazer um caminho de comunhão com Deus, de comunhão com os outros, e Jesus relembra, para esse homem, todos os mandamentos. E é interessante que esse homem era, de fato, um homem justo, porque diz a Jesus:
“Senhor, observo tudo isso desde a minha juventude”, não era um homem qualquer. De fato, seguia o Senhor, vivia os mandamentos, poderíamos dizer, estava na vontade de Deus, tinha tudo para herdar a vida eterna, para continuar na eternidade o que aqui ele vivia. Mas aí Jesus percebe que nesse homem faltava alguma coisa! Neste homem, como em muitos de nós, talvez, o que falte seja exatamente colocar Deus como centro, como a riqueza, como insubstituível pra nós, o que de fato, precisamos, o de que nós não podemos abrir mão!
Jesus diz a ele: “uma só coisa te falta, você não precisa fazer muita coisa, você não precisa fazer tantas práticas. Você só precisa de uma coisa: abrir mão de tudo o que você tem”!
Esse homem, na verdade, nós poderíamos dizer agora, é tocado no seu ponto fraco, mas antes disso, São Marcos faz questão de dizer uma coisa, profundamente tocante nesse encontro, como nos nossos encontros com Jesus.
Depois de ouvir a resposta desse homem, São Marcos diz assim: “Jesus olhou para ele, com amor.” E disse.
Nós hoje precisamos deixar que Jesus nos olhe, na verdade, deixar que Ele nos olhe agora, porque é isso que Ele está fazendo: olhando o nosso coração, olhando a nossa mente, olhando a nossa vida! Deixar que Ele pare para nos olhar, e paremos, para ser olhados por Ele. E deixemos que agora Ele nos diga o que Ele quer e o de que nós precisamos, não o que nós queremos, não o que nós estamos esperando, mas aquilo que, de fato, nós precisamos escutar. O Senhor que nos fala, no meio do barulho da vida, no meio da correria da vida.
E assim Jesus também diz a nós, como diz a esse homem rico, uma só coisa te falta! O que nos falta hoje? O que precisamos fazer hoje, para reconhecer o Senhor como essencial da nossa vida, e reconhecer que todo o restante passa, que todo o restante é desnecessário.
Como esse homem do evangelho, nós também vamos nos apegando a tantas coisas, nos apegando a pessoas, e colocando coisas e pessoas como as nossas riquezas, e nos esquecemos de que tudo vai passar. Se eu e você queremos o céu, se eu e você queremos a eternidade, precisamos aprender que aqui tudo é passageiro, coisas, pessoas, funções, status, tudo vai passar.
A nossa riqueza tem um nome, a nossa riqueza tem um rosto, a nossa riqueza é o próprio Senhor. Esse homem é questionado por Jesus, porque na verdade, ele havia se apegado a tantas coisas… como nós também. Nós nos apegamos a manias… às vezes, meus irmãos, é até curioso, é trágico. Quando vemos pessoas que se apegam até ao banco da igreja – “aqui é meu lugar, eu sento aqui todo domingo”. O que é isso? você vai carregar o banco para o céu? Você vai levar com você nas costas? Leva pro Maruí, também? “O banco vai comigo, a minha função na igreja vai comigo, eu sou coordenador há 10 anos, Padre!” Hoje você morre, amanhã tem outro no seu lugar.
Deixemos, meus irmãos, de nos apegarmos a coisas passageiras! Apeguemo-nos ao Senhor! Tudo passa, o papa passa, o bispo, o padre, a igreja… daqui a pouco tudo isso vai acabar, e o que vai ficar? O Senhor, é Ele que fica! É Ele que é a nossa herança, Ele que é o nosso sustento. Por isso os apóstolos ficam incomodados, porque Jesus os adverte, para lembrar a eles e a nós, como é difícil para um rico entrar no Reino de Deus.
Jesus aqui não está dizendo de um rico, simplesmente, socialmente falando. Jesus está falando de todos aqueles que se apegam e colocam as coisas, as pessoas, suas posses, o que têm como centro, como a riqueza da vida, esquecendo aquilo que acabamos de cantar: “Buscai, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será acrescentado.”
Assim entendemos porque Pedro é tão afoito, se incomoda e diz a Jesus: “Mas Mestre, nós deixamos tudo e Te seguimos.” Como se estivesse dizendo, nós não temos mais riqueza alguma nessa Terra, e Jesus lembra a ele que quem tiver deixado casa, pai, mãe, filhos, quem tiver deixado tudo, quem tiver de fato, deixado tudo, receberá 100 vezes mais, receberá tudo em dobro, aqui e a vida eterna no Reino de Deus.
Hoje, meus irmãos essa Palavra nos convida a deixar que Jesus nos olhe nos olhos, com amor, e nos diga também: uma só coisa te falta. O que hoje nos falta, para segui-lO? Porque é preciso que nós assumamos o que nos falta, para depois segui-lO. Não adianta querer segui-lO, da mesma maneira que estávamos até agora, não adianta! É preciso que nós assumamos essa mudança e, para que isso aconteça, só poderemos, acolhendo aquilo que o livro da Sabedoria (Sb 7,7-11) nos diz, na primeira leitura. Reconhecendo que a sabedoria que vem do alto, que é fruto, que é dom do espírito em nossa vida, essa sabedoria que nos ajuda a discernir o que é o essencial. Para que nós aprendamos a abrir mão do acidental… nós gostamos das coisas passageiras, nós vamos nos apegando e sustentando a nossa vida em tudo o que passa, por isso que em muitas ocasiões, as pessoas dizem assim: eu estou sem chão. Por que você está sem chão? Porque o marido morreu? porque a mãe morreu? porque o pai morreu? porque o filho morreu? Quando Deus é o nosso chão, a gente pode perder tudo, mas continuaremos sustentados, porque Ele é o alicerce, Ele é o fundamento da nossa vida!
Que o Senhor nos dê a graça, hoje, de deixar tudo para segui-lO. E aprender que só assim, nós poderemos receber tudo, que é Ele mesmo, e a vida eterna que Ele nos concede.
Só uma coisa te falta: vai, vende tudo que tem e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu!