PADRE DOUGLAS: “Ele tem feito bem todas as coisas.” (Mc 7,37)

Ao escutarmos essa palavra, que nos dá a certeza de que o Senhor fazia bem e faz bem todas as coisas, e que passava fazendo o bem (At 10,38), somos hoje convidados a duas atitudes: a primeira, deixar que Jesus também hoje passe, fazendo o bem em nossa vida. Numa segunda atitude, impulsionados pelo toque do Senhor, nós também somos convidados hoje, a passar na vida dos outros, fazendo o bem.

O evangelho de hoje (Mc 7,31-37) narra para nós uma cena curiosa de Jesus, que agora está num ambiente totalmente diferente daquele a que estava acostumado. Jesus não está no ambiente dos judeus piedosos, Jesus não está no meio dos seus concidadãos; Jesus está na região pagã. Jesus está num ambiente totalmente diferente da sua fé judaica. Mas é exatamente ali, que Jesus realiza um milagre.

Curioso pensarmos nesta palavra, quando nós, muitas vezes, somos tentados a fechar a ação de Jesus, quase como se quiséssemos engaiolá-lO, quase como se pensássemos que Ele só poderia agir aqui e agora, só poderia agir em alguns espaços. Com algumas pessoas, em alguns ambientes, esquecemo-nos de que o Senhor age na liberdade que Lhe é própria.

O Senhor age como e quando Ele quiser. O Senhor não age apenas dentro dos nossos esquemas, o Senhor não age apenas dentro das nossas metodologias, o Senhor age como Ele bem entende, e hoje, a Sua ação alcança um homem que não sabemos se professava a fé judaica, um homem que não sabemos se queria segui-lO, um homem que precisava do encontro com Ele.

Na verdade, hoje poderíamos dizer que esse homem é a imagem de todos nós. Somos todos nós, hoje, necessitados de sermos tocados pelo Senhor, somos nós hoje necessitados de fazer a mesma experiência que esse homem surdo fez. Talvez nós pudéssemos pensar, mas eu não sou surdo, eu até escuto bem, escuto bem tantas coisas, escuto bem a conversa dos outros, escuto bem o que eu falo! Preciso dessa cura?

E quando nós olhamos no mais íntimo de nós, vamos perceber que a principal cura de que precisamos é a da surdez, que todos nós experimentamos, de escutar a Palavra do Senhor. Porque todos nós somos e temos um pouco, uma certa surdez; todos nós temos dificuldade de escutar o Senhor, de escutar a Sua palavra. E por isso é que nós, como esse homem também, nem sempre proclamamos essa palavra, nem sempre vivemos essa palavra, porque antes, não a escutamos, por isso, não a proclamamos bem, por isso não a vivemos bem.

Mas o evangelho não é um detalhe. Primeiro, que não pode passar despercebido. “Trouxeram então um homem surdo”. Não foi esse homem que tomou a iniciativa de ir até Jesus, foram os outros que o levaram, foram os outros que reconheceram que aquele homem precisava de Jesus. Por um lado, essa palavra nos faz reconhecer que nós também, em muitos momentos da nossa vida, talvez nem tenhamos força, nem tenhamos ânimo e disposição de ir até o Senhor, e é preciso deixar que outros nos levem.

Mas também essa palavra nos faz reconhecer que é preciso, também nós, levarmos tantas outras pessoas para o Senhor, reconhecendo que nós não podemos fazer nada. Mas podemos, pelo menos, levá-los para quem o faça. Podemos levar os outros até o Senhor, e a cena narra, de forma detalhada, tudo o que Jesus fez, como se estivesse nos colocando, de novo, diante da cena do livro do Gênesis (Gn 1-2), quando Deus cria o homem do barro. Esse homem agora surdo, que fala com dificuldade, é novamente recriado pelo Senhor, novamente é tocado pela graça de Deus.

E o evangelho diz que Jesus o leva a um lugar à parte. Jesus não quer espetáculo. Jesus não quer holofotes, fotos! Jesus quer, na descrição, tocar a vida daquele homem. Jesus hoje nos questiona, porque nós gostamos dos holofotes, gostamos das selfies, gostamos das fotos, gostamos do alvoroço! e Jesus cura e toca esse homem, na simplicidade de um encontro íntimo.

E mais ainda, o evangelho diz que Jesus olha para o céu, suspirando, para nos lembrar que na nossa vida muitos problemas não terão solução aqui, entre nós. É preciso olhar para o céu, é preciso nos remeter ao alto e reconhecer, como dizia o salmista, que nosso auxílio vem do Senhor (Sl 123), nosso auxílio vem do alto. E sempre virá.

E o Senhor então suspira, e lhe diz: “Efatá, abre-te”! Sopra sobre aquele homem, novamente, o seu Espírito.

Hoje nós precisamos deixar que Jesus também nos toque, deixar que Jesus hoje, novamente, diga também para nós: “abre-te”. Hoje, essa palavra nos convida a olhar dentro de nós e nos perguntarmos: onde estou fechado? onde eu preciso que o Senhor toque e abra? é a minha mente? o meu coração? são os meus sentimentos, a minha vontade? onde eu preciso que o Senhor hoje me toque? E deixar que Ele também hoje sopre sobre nós o Seu Espírito, que nos abra, que nos faça experimentar a Sua graça e esse homem, imediatamente, experimenta a cura de que precisava.

Na verdade, esse homem agora é uma imagem de todos nós, que tocados pelo Senhor, somos também convidados a tocar tantos outros! Somos nós hoje, convidados a proclamar tantas maravilhas, que o Senhor fez em nós! Na verdade, só assim nós poderemos então proclamar a Sua palavra, na nossa vida; só assim nós poderemos cumprir a ordem que Deus deu a todos nós, através do profeta Isaías na primeira leitura (Is 35,4-7a): “Dizei às pessoas deprimidas, criai ânimo, não tenhais medo!”

Quantas pessoas nós encontramos, dentro de nossas próprias casas, que precisam escutar essa palavra? Mas só poderão escutar, queridos irmãos e irmãs, se nós antes a escutarmos, a experimentarmos, para que assim possamos anunciá-la. É preciso que nós também digamos a tantas pessoas deprimidas, cansadas, abatidas, ‘criai ânimo,                        não tenhais medo; é o Senhor que vem, é a graça de Deus que vem habitar entre nós, é a  certeza de que somos amparados  e sustentados por aquele Senhor, todos os dias da nossa vida.’

E por último, é preciso que hoje nós contemplemos essa cena do início do capítulo 2º de São Tiago (Tg 2,1-5), que nos convida a concretizar a nossa fé. A sair de uma fé teórica, de uma fé da boca pra fora, para uma fé concreta, que se dá nas obras, que se dá nas relações entre nós. Talvez muitos críticos da Igreja, críticos radicais, ao escutar essa palavra, se não soubessem que vem da própria Palavra de Deus, poderiam dizer que é um discurso comunista da Igreja, poderiam, talvez dizer, que é um discurso socialista da Igreja, mas nós estamos no capítulo 2º da carta de São Tiago, que cremos, creio eu, que é de fato, para nós, um texto inspirado por Deus, e que nos convida a concretizar, na nossa vida, o cuidado e o amor entre nós, e superarmos uma mentalidade e uma postura discriminatórias, que muitas vezes nós temos dentro das nossas igrejas.

Que o Senhor hoje nos liberte de todas as nossas paralisias, que o Senhor, hoje, nos cure de todas as enfermidades, que o Senhor hoje nos dê a graça de curar a nossa surdez de escutar Sua palavra, para que ao acolhê-la, nós permitamos que ela produza muitos frutos na nossa vida, para que assim nós também a levemos a tantas pessoas que dela necessitam, para que assim nós, um dia, também possamos escutar esses mesmos elogios:

Ele fez bem todas as coisas; ele passou fazendo o bem.

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