A liturgia da palavra deste 15º domingo do tempo comum nos faz três convites. Chama-nos, hoje, à santidade, nos chama ao profetismo e nos chama à missão. Três chamados que são destinados a todos nós. Ninguém pode se sentir excluído de um desses três chamados, ninguém pode achar que esse chamado não é pra mim, esse chamado é pra mim, pra você, pra todos nós. Todos estamos incluídos nos três chamados que o Senhor hoje nos faz.
No primeiro chamado, Paulo nos lembrou, na segunda leitura (Ef 1,3-10), quando escrevendo aos efésios, nos recordava que Deus havia nos predestinado, nos preparado a sermos santos e irrepreensíveis, no amor como Seus filhos. Quando nós pensamos no chamado à santidade, às vezes nós pensamos que somente algumas pessoas viverão a santidade, que algumas pessoas conseguem viver a santidade. Mas esquecemos que a graça para a santidade é dada a todos, e todos nós somos chamados a viver em santidade, o que na verdade, não é outra coisa senão viver como filhos e filhas de Deus. É de tal modo, que as pessoas que nos encontram, possam dizer: ‘de fato, aquele homem, aquela mulher, é cristão, é um cristão é uma cristã, de fato, ele ou ela vivem como filhos de Deus’. Quantas vezes, nós encontramos uma criança, que olhamos e dizemos assim, ‘ela é a cara do pai’, e ela vai crescendo, a gente diz ‘ela faz tudo igual ao pai, ela tem até as mesmas manias que o pai. Ela se parece com o pai’.
Assim, todos nós também precisamos nos parecer com o Pai, viver como o Pai, para que assim vivamos de fato como filhos e filhas de Deus, para que assim vivamos a nossa vocação à santidade aqui e agora, porque o chamado à santidade não é pro céu. É pra aqui, é aqui que a gente vive a santidade, lá será apenas uma continuidade do que vivemos aqui porque de fato, ninguém viverá depois dessa vida o que já não começou a viver aqui.
Mas ao mesmo tempo a liturgia de hoje nos faz um segundo chamado. Chamados a sermos profetas. Na primeira leitura (Am 7,12-15), Amós tem claro que ele não se sentia um profeta, não se sentia de uma família de profetas. Poderíamos até pensar, de uma família religiosa. Mas vejam a consciência de Amós! Deus me chamou quando eu cuidava do rebanho, e foi Ele que me mandou profetizar. E se nós formos um pouco além, nós vamos nos lembrar, do que aprendemos na nossa catequese, ou deveríamos ter aprendido, que quando batizados, todos nós fomos configurados a Cristo, como sacerdotes, profetas e reis. O profetismo não é para alguns, não é para algumas pessoas, não é para um grupo, o profetismo é para todo o batizado, é para todo aquele que vive sob a ação do Espírito Santo. Mas para que o profetismo aconteça, precisamos nos lembrar de que Deus nos chama, e que Deus nos envia!
Mas ao mesmo tempo tem um detalhe importante: o profeta é aquele que escuta a palavra de Deus, para depois anunciá-la.
Cantávamos no salmo de hoje, dizendo: quero ouvir o que o Senhor irá falar, no Salmo 84. É preciso primeiro escutar, silenciar o coração e a mente, para escutar o que Deus tem a nos dizer. Para que depois, nós anunciemos, profetizemos a Sua palavra, não a nossa, não o que nós pensamos, o que nós achamos, mas o que Ele nos mandou dizer. E anunciarmos, onde Ele nos colocou. A começar pela nossa própria casa, e assim nós entendemos o evangelho de hoje (Mc 6,7-13).
Quando o Senhor chama os 12, como imagem da Igreja, e os envia, o chamado à missão. Missão essa, que é para todos nós! Também não podemos nos iludir, achando que algumas pessoas fazem missão, porque foram embora da sua terra. Todos nós somos missionários, desde o dia do nosso batismo. Todos nós somos chamados a viver na dinâmica da missão. A sermos, todos os dias, enviados! A cada dia que eu e você recebemos, a cada amanhecer que eu e você experimentamos, é um envio de Deus pra nós.
O evangelho de hoje nos faz pensar que de fato o senhor pede, de nós, sempre um caminho, pede de nós, sempre, o movimento. O Senhor não pede uma Igreja parada, estática! Ao contrário, sempre uma mudança, sempre uma renovação, sempre um caminho! O evangelho não combina com paralisação, o evangelho não combina com a vida parada, estática, porque o Evangelho nos convida ao movimento. E por isso, o evangelho nos questiona, nos interpela, quando nós vamos nos apegando a coisas, a lugares, a pessoas, a funções, e nos esquecemos de que tudo passa.
Vejam, às vezes, nós nos apegamos até ao banco da igreja, ‘o meu lugar. ‘Eu sempre sentei aí’, ou nos apegamos às funções, na igreja, ‘eu sempre fiz isso!’ Hoje você morre, amanhã tem outro no seu lugar! Todos nós vamos passar. O papa passa, o bispo passa, o padre passa, todos passaremos. É preciso ter esse coração livre, para ser sempre enviado, para estar sempre a caminho e não ficarmos presos, nos apoiando em muletas, que passam e aí quando nós as perdemos parece, como dizia Maysa, o mundo caiu. Por quê? Porque nos apegamos ao que não permanece, ao passageiro, e assim o Senhor hoje nos envia, e nos envia, vejam o detalhe no evangelho, 2 a 2.
Poderíamos pensar, não era melhor enviar um de cada? Alcançaríamos, matematicamente, um número muito maior. Mas a lógica do Senhor não é nossa. Por que Ele envia 2 a 2? Pra sempre nos lembrarmos de que não estamos sozinhos, mais ainda, para nos lembrarmos que é na relação entre nós que anunciamos o evangelho, que nós testemunhamos a Palavra, porque de que adianta belos discursos, se na relação fraterna nós não testemunhamos a Palavra, e mais ainda, o Senhor envia, orientando que eles não levassem nada.
Poderíamos pensar, não seria melhor carregar tudo, combinar, o que nós vamos levar? o que nós precisamos? Na verdade, o que o Senhor nos quer lembrar é de que nós precisamos dEle! Ele é o necessário, Ele é o essencial. O restante não, não é pra nos apegarmos a tantas coisas, não colocarmos tantas condições e necessidades que não temos.
Quantas vezes, a gente vai se apegando a tanta coisa, eu preciso disso eu preciso daquilo, é aquela pessoa que quando você visita… a casa parece que não tem mais espaço pra ela! Por quê? Porque só acumulou, porque se sentiu segura, acumulando. Como é bom o coração livre, desapegado de tudo e de todos? O coração livre capaz de ser enviado pelo Senhor.
E chegando ao final, o evangelho nos lembra que Jesus nos alerta para algo de que não podemos nos esquecer. Sim, em algum lugar não nos receberão, o alerta é claro pra nós. O alerta de que nem todos nos receberão, nem todos aceitarão o nosso testemunho, a nossa palavra, a nossa pregação. É preciso que nós aprendamos a respeitar a liberdade dos outros, que não vão aceitar a nossa fé, que não vão querer viver nossa fé. O Senhor chama todos nós na liberdade. Ninguém deve seguir o Senhor obrigado, e nem deve obrigar os outros, porque o seguimento de Jesus é livre! É pra homens e mulheres livres, não escravos, não presos! O evangelho não é pra ser imposto a ninguém, não é pra enfiar goela a dentro, como nós dizemos. Não! o evangelho é pra ser proposto, e o outro acolhe, na liberdade, se quiser, assumidas as consequências, de aceitar ou de não aceitar o evangelho.
Mas o evangelho de hoje é mais curioso, porque Jesus diz: “Se não vos receberem, sacodi a poeira dos vossos pés, como testemunho contra eles”. Por que sacudir a poeira dos pés? Para lembrar a esses que não receberam o anúncio do evangelho, que nós não queremos nada deles, não queremos nem a poeira que grudou na sandália, nem a poeira que grudou em nossos pés. Não queremos, deixamos.
E ao mesmo tempo, é um sinal claro para aqueles que não nos recebem, que nós não estamos querendo algo em troca, por isso que nós deixamos até a poeira dos pés, pode ficar pra você, eu não quero, nem a poeira quero levar, deixo tudo!
Que nós tenhamos essa liberdade de Jesus, a mesma liberdade que Ele propôs a Tiago e João quando os samaritanos não queriam recebê-los. Eles se voltam para Jesus e perguntam-lhe: “Queres que mandemos descer fogo do céu?” (Lc 9,54) Tiago e João querem acabar com os samaritanos e Jesus os repreende e segue para outro caminho. Às vezes, queremos pôr fogo nos outros, acabar com os outros que não nos aceitam, que não aceitam o evangelho, e começamos a condenar.
De tudo um pouco, quem nos constituiu como juízes? quem nos fez viver assim? Não foi o evangelho de Jesus Cristo, que hoje nos convida a respeitar a liberdade de todos, a consciência de todos. Que esta palavra que hoje ouvimos, de fato nos interpele, de fato nos motive e, de fato, hoje, nos faça reavivar em nossa mente e em nosso coração, o chamado que o Senhor nos fez, a sermos santos, a sermos profeta e a sermos missionários.
Jesus chamou os doze, e começou a enviá-los, dois a dois.
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