Ao iniciarmos, com toda a Igreja, a caminhada quaresmal, somos convidados, pela liturgia a, realmente, nos deixarmos reconciliar com Deus. A mais uma vez, deixarmos que Deus nos leve para junto dEle, que nos dê a graça de uma nova vida, de um novo recomeço, de tal maneira, que eu e você, ao chegarmos na Páscoa do Senhor, não apenas celebremos a Sua Páscoa, a Sua ressurreição, celebremos também a nossa Páscoa, a nossa ressurreição, para que assim, de fato, possamos todos nós, vivenciar uma nova vida.
São Paulo (2Cor 5,20-6,2) deixava claro pra nós, que é preciso que deixemos, que Deus faça a Sua parte, deixemos que Deus nos chame de volta pra junto dEle. Mas é preciso que nós também estejamos atentos ao que Ele nos fala. Não apenas essa obra é uma obra do Senhor, mas é uma obra em conjunto. Somos nós, com Ele! Somos nós, juntos do Senhor, que faremos uma verdadeira obra de conversão. Assim nós, de fato, hoje, precisamos acolher o convite de Paulo, que dizia a todos nós: “Não desperdicemos a graça de Deus. Não recebamos a graça de Deus em vão.”
Há quantos anos, celebramos a Quaresma, há quantos anos, você e eu celebramos a quarta-feira de cinzas… O que mudou em nossa vida? Somos melhores hoje? Somos mais convertidos? mais santos? vivemos mais de acordo com o Senhor? Ou com o passar do tempo nós até pioramos?
Não podemos, meus irmãos e irmãs, iniciar este tempo da quaresma como mais um tempo, como mais uma ocasião em que nos reunimos, para celebrar a nossa fé. É preciso que iniciemos, com o desejo sincero de mudarmos de vida, de nos convertermos, para que assim, então, vivamos o que o profeta Joel nos dizia (Jl 2,12-18), quando nos convidava a reconhecer que esse Deus nos chama pra junto dEle, para que nós vivamos como Ele, para que a nossa vida transpareça que somos, de fato, filhos e filhas de Deus. Mas para que isso aconteça, é necessário que nos empenhemos. Que busquemos a conversão, que busquemos a mudança de vida, mas sobretudo, que busquemos esta transformação, dentro de nós.
O profeta Joel dizia: “rasgai os vossos corações e não as vestes”. Jesus (Mt 6,1-6.16-18) nos convidava a acolher o grande tripé que nos acompanha no tempo da quaresma e ao longo de toda nossa vida, fazendo com que a esmola, a oração e o jejum não fossem práticas meramente exteriores, práticas para nos exibirmos diante dos outros, diante, talvez, daqueles que não são católicos, que não são cristãos, como se nós, ao fazermos estas práticas fôssemos melhores do que os outros.
Cuidado, meus irmãos, porque nós podemos estar vivendo como verdadeiros fariseus. O próprio Jesus nos alertava para não praticarmos nossa justiça diante dos homens, porque se assim fosse, já teríamos a recompensa.
É preciso que nos convertamos, diante do Senhor, porque de fato, os outros colherão os frutos da nossa conversão, mas não podemos fazer da quaresma um verdadeiro carnaval, um desfile de fantasias, onde eu e você, talvez, nos vistamos como um cristão piedoso, que coloca a cinza na cabeça, faz jejum, faz abstinência de carne, mas não se converte, não se torna um cristão melhor, não se torna um cristão mais caridoso, não se torna um cristão mais fiel à palavra de Deus. Não permitamos que esta quaresma seja mais uma.
Ao iniciarmos esse tempo, cada um de nós precisa assumir, com muita firmeza, um propósito. O que eu quero mudar? Neste tempo da graça de Deus, o que vou fazer pra mudar a minha vida? Não adianta uma lista de grandes propósitos, não adianta uma lista nem de 3 propósitos. Se terminarmos a quaresma, tendo vivido um propósito, podemos agradecer muito a Deus. Porque imagine, se a cada quaresma, a cada ano, você melhorou um ponto da sua vida… Já tem 30 anos de quaresma, já tem 30 pontos melhorados na vida…
Por isso hoje, devemos nos perguntar, com muita sinceridade: o que eu quero mudar na minha vida? Não adianta dizer, ‘eu preciso muito mudar isto na minha vida, padre’! Isto não resolve, é preciso querer. O que eu quero? Para que daqui a 40 dias, ao chegar no tempo pascal, eu possa dizer, eu consegui dar um passo, eu consegui melhorar, eu consegui me converter mais. Por isso, Jesus nos oferece 3 práticas da quaresma, que não apenas deveriam ser vividas ao longo destes 40 dias, mas ao longo de toda a nossa vida.
Quando o Senhor nos convidava, primeiramente, a termos um olhar que extrapola o nosso umbigo, um olhar que extrapola o nosso ego, um olhar que nos leva a enxergar o outro. O outro que precisa de mim, o outro que é, na verdade, pra mim, imagem do próprio Senhor que eu sirvo, que eu sigo… Por isso, a prática da esmola, não como se fosse algo que me consolasse, simplesmente, porque eu tenho e dou ao outro. Não, porque eu quero o bem do outro, porque eu quero que ele saia dessa vida, porque quero resgatá-lo para uma vida melhor. Por isso que ajudamos os outros.
É preciso que tenhamos esse olhar que possa ajudar os outros, capaz de enxergar quem passa na nossa vida, necessitado, e talvez essa esmola não seja uma nota de 2 reais ou uma moeda de 1 real, que eu entrego a alguém. Que seja a esmola de um olhar, de uma palavra, de um toque, de tal maneira que sejamos capazes, como temos ouvido, de fazer o mesmo que Jesus, estender a nossa mão para levantar o outro, para levantar quem precisa da minha presença, do meu auxílio.
E ao mesmo tempo, Jesus nos oferecia, como proposta, um tempo quaresmal, no qual intensificamos a nossa oração. É triste vermos, meus irmãos, como nós ainda não sabemos rezar. Quantas vezes, eu e você entramos na igreja e não sabemos rezar. Pense como você dialoga com Deus, hoje! Na verdade, você deveria se perguntar ‘eu falo com Deus? Eu falo da minha vida com Ele, eu falo com o Senhor Jesus, das minhas tristezas, dos meus problemas? Eu abro o meu coração para o Espírito de Deus, que fala em mim, que fala comigo? É preciso que nós aprendamos a orar, aprendamos a falar com Deus, não a falar dEle apenas, mas a falar com Ele. Intensifiquemos, ao longo desta quaresma, a nossa oração.
Pensemos, se nós nos dedicássemos tanto quanto nos dedicamos às redes sociais a nossa vida de oração? Vivamos esse tempo da quaresma como um tempo de silêncio, de recolhimento, de escuta da palavra de Deus, de diálogo sincero com o Senhor, para que assim, nós cresçamos nesta intimidade, de tal maneira, que ao concluir a quaresma, a intimidade não acabou, mas ao contrário, se intensificou e crescerá cada vez mais.
E por último, Jesus nos oferecia a prática do jejum. Um jejum que nos leva a reconhecer, que diante dos alimentos, diante da criação, nós estamos à frente. O relato do livro do Gênesis diz que Deus cria homem e mulher pra conduzir a obra criada por Ele. Nós não somos reféns das coisas, nós somos “senhores”.
Quando eu e você fazemos jejum, estamos dizendo, pra nós mesmos, que somos capazes de abrir mão deste alimento, que somos capazes de comer menos, que não somos cães. Às vezes, somos até piores que o cão. Você coloca um prato de ração, o cão vai lá e come, e se estiver satisfeito, não come mais, a ponto de passar mal. Eu e você comemos, muitas vezes, somos reféns da comida, comemos a ponto até de passar mal. O jejum nos educa, nos disciplina.
Mas o jejum também, como no geral, o profeta Isaías nos ensina, ao longo do tempo quaresmal, nos leva a fazer o bem. De que adianta hoje, fazer jejum, pra guardar pra comer amanhã? De que adianta não comer chocolate na quaresma, pra depois passar 50 dias da páscoa, comendo? Não foi o jejum que converteu o coração, que mudou a vida! Nós jejuamos pra fazer caridade, pra que aquilo de que eu hoje abro mão, na minha alimentação, eu possa dar pra quem não tem. Não é pra encher mais o armário pra comer depois, mas pra partilhar com quem não tem.
Meus irmãos, não permitamos que a quaresma seja um carnaval fora de época, em que vestimos uma fantasia e daqui a pouco, ao terminar o tempo quaresmal, eu guardo a fantasia no guarda-roupa, pra viver a minha vida como sempre vivi. A quaresma tem que mudar o meu coração, a minha mente, a minha vida.
Para que assim, no domingo da Páscoa, nós não celebremos apenas a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, mas celebremos a nossa vitória sobre o pecado e a morte. Não celebremos apenas a Sua ressurreição, mas a nossa ressurreição para uma vida nova. Que nós, de fato, hoje, não fechemos os nossos corações, mas escutemos a voz do Senhor, que nos fala, profundamente, no íntimo do nosso coração.
Em nome de Cristo, eu vos exorto, deixai-vos reconciliar com Deus.
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