As palavras do Salmo 102 nos colocam diante deste Deus, que se revela a nós, como um pai, bondoso, compassivo e carinhoso. Um Deus efetivo e afetivo em nossa vida. É esse Deus que Jesus nos revelou. Tudo aquilo que pensarmos sobre Deus, que não esteja de acordo com o que está no Salmo 102 deve ser retirado por nós, porque o Deus em que nós cremos, que nós seguimos, que reconhecemos como nosso Pai, é um Deus bondoso, compassivo e carinhoso. E é esse Deus que nos acolhe pra junto d’Ele, é esse Deus, nas palavras da Oração Eucarística VII, que o Papa Francisco inclusive, gosta de repetir, é esse Deus que nunca se cansa de perdoar, que nunca se cansa de nos amar, porque Ele é amor, como diz São João (1Jo 4,8). Deus esse, que nos acolhe sempre, que nos perdoa sempre, que todas as vezes em que O procuramos, no Sacramento da Confissão, ouvimos: “Eu te absolvo dos teus pecados, vai em paz”. Um Deus que está pronto a nos amar, a nos acolher, a nos perdoar, a nos dar uma nova chance, um Deus que a cada dia, nos dá uma página em branco, para que nós ali escrevamos, como quisermos.
O desafio da nossa vida é entrarmos na lógica de Deus, é entrarmos na dinâmica de Deus, e sermos nós, também, como Deus, que ama, que é bondoso, que é compassivo, e que é carinhoso. A grande marca desse Deus é Seu perdão! Precisamos nos lembrar que o perdão é um benefício muito maior para quem o dá, do que para quem o recebe. Quando você e eu perdoamos, somos os maiores beneficiados. Quem ganha mais no perdão, somos nós, quando o damos, não quando o recebemos. Até porque, sabemos que muitas vezes, nós vamos carregando rancor, raiva, ressentimento, de pessoas que talvez nem saibam que nos fizeram mal. E quem está sofrendo? Somos nós, que vamos carregando aquelas dores, por anos e anos e, às vezes, até somatizamos, nosso corpo começa a ecoar os rancores passados, que guardamos dentro de nós e não nos fazem bem.
O Livro do Eclesiástico (Eclo 27,33-28,9) nos lembra: o rancor e a raiva são coisas detestáveis. Até o pecador procura dominá-las, porque ele reconhece, como nós somos chamados a reconhecer, que o rancor e a raiva não contribuirão em nada, para nossa vida. Mas o perdão, o amor, a compaixão nos libertam, nos tornam leves, nos tornam felizes, nos tornam pessoas melhores. E é pra esse chamado que estamos aqui. É preciso que nos lembremos de que quando alimentamos o rancor, é como se estivéssemos bebendo um veneno, querendo que o outro morra, mas na verdade, somos nós que estamos nos matando. Cotidianamente, o Senhor nos convida a nos libertarmos de tudo isso, hoje o Senhor nos convida, no fundo, a viver aquilo que Jesus, depois, coloca no centro do seu evangelho, mas que o povo de Israel já sabia, desde o Livro do Levítico (19,18): “Amarás o teu próximo, como a ti mesmo.” Por isso Jesus, no evangelho (Mc 4,24), depois nos dirá: “Vós sereis medidos com a mesma medida com que medirdes os outros.”
Não nos esqueçamos, meus irmãos, não adianta, depois, querermos a misericórdia de Deus, quando nós não somos misericordiosos. Exatamente, por isso, São Tiago (2,13) nos lembra: “O juízo será sem misericórdia, para quem não praticou a misericórdia”.
Assim, nós entendemos a pergunta de Pedro, quando na verdade queria calcular, queria medir o perdão dado (Mt 18,21-35). Pedro havia aprendido com os rabinos que daria o perdão até quatro vezes, depois não era mais obrigado a perdoar, e por isso, dá um passo e pergunta a Jesus: até 7 vezes? Jesus vai ao extremo da perfeição, da completude do sete, e diz, “Não, não sete vezes, até setenta vezes sete”, dizendo pra nós, perdoe sempre, como Deus perdoa sempre.
Faça a experiência de olhar o outro como irmão, como companheiro de jornada, faça a experiência de olhar o outro não como um superior, como o perfeito, que olha os imperfeitos… Não, aprendamos a nos olhar nos olhos, aprendamos a reconhecer que nós todos somos feitos do mesmo barro. Aprendamos a reconhecer que todos nós também podemos fazer coisas terríveis!
São Vicente de Paulo já nos lembrava, que diante de tantos males, nós não deveríamos nos assustar, porque nós, sem a graça de Deus, poderíamos fazer até coisas bem piores. É preciso que nós aprendamos a nos enxergar como irmãos, como filhos do mesmo Pai, como feitos do mesmo barro, somos todos pecadores. E por isso, o perdão é mútuo, por isso, o perdão reconstrói a nossa vida. Hoje, todos nós deveríamos acolher no coração, as palavras do Eclesiástico. O autor sagrado nos diz: “Lembra do teu fim e deixa de odiar; pensa na destruição e na morte e persevera nos mandamentos. Pensa nos mandamentos e não guarde rancor do teu próximo. Pensa na aliança do Altíssimo e não leve em conta a pausa alheia”. (Eclo 28,6-9)
É preciso que nós nos lembremos de que perdoar não é o mesmo que esquecer. É uma ilusão, quando ouvimos as pessoas dizendo assim, ‘se você lembra, é porque ainda não perdoou’. Meus irmãos, enquanto o Alzheimer, a esclerose, a senilidade não nos visitarem, nós vamos continuar lembrando… nós temos memória pra quê? E mesmo que estas enfermidades nos visitem um dia, nossa memória não será apagada completamente. Perdoar é muito mais do que lembrar ou não lembrar do que nos fizeram.
Que o Senhor nos dê a graça de dar este passo, para o nosso bem, mas também para o bem dos outros, mas que sobretudo, pela força do Espírito, Ele nos dê a graça de reconhecer que o nosso Deus é um Deus bondoso, compassivo e carinhoso.